CURRÍCULO OCULTO E AS APRENDIZAGENS SUBLIMINARES NAS UNIDADES DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DO CEARÁ Autor A Maria Jose Camelo Maciel [1] /mazza.maciel@uece.br/UECE Eixo Temático: Educação, diversidade e Inclusão social Resumo O trabalho objetiva realizar uma abordagem sobre o Sistema de Medidas Socioeducativas do Ceará, analisando a partir do conceito de currículo oculto, a dinâmica (des)educativa que se efetiva no interior das suas unidades em contraposição a um projeto educativo que se respalde nos princípios da pedagogia social. Situa as medidas socioeducativas no marco regulatório legal que as instituem para ressaltar que as mesmas devem se caracterizar pelo caráter eminentemente pedagógico, principalmente a internação em estabelecimento educacional, a mais restritiva de direitos, a qual deve se pautar pelos princípios da brevidade, da excepcionalidade e do respeito à peculiar condição de desenvolvimento do/a adolescente, (Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA). Aponta que contraditoriamente ao que está previsto nos marcos legais, o cotidiano do Sistema Socioeducativo do Ceará revela uma realidade que se afasta absolutamente dos parâmetros legais e pedagógicos expressos no ECA e nos normativos internacionais que versam sobre os direitos humanos de crianças e adolescentes. Tal realidade pode ser constatada através da análise de dados em documentos diversos, com destaque o relatório apresentado pelo Fórum Permanente de ONGs de Defesa de Direitos de Crianças e Adolescentes do Ceará em que é apontada uma situação de extrema crise no Sistema de Medidas Socioeducativas do Ceará. Reiteradas rebeliões, denúncias de tortura, agressões e maus tratos sofridos pelos adolescentes internos, superlotação, falta generalizada de insumos básicos, restrição ao acesso à água e ao direito à visita e ausência sistemática de escolarização e profissionalização, atividades culturais, esportivas e de lazer, dentre outras violações de direitos humanos são expressões da mencionada crise. Diante de um cenário como esse, coloca-se a reflexão sobre a (im)possibilidade dos/as adolescentes vivenciarem um processo socioeducativo. De que modo um ambiente assim pode proporcionar ao adolescente uma reflexão sobre o ato praticado, a identidade do/a mesmo/a com esta prática e, a partir disso, reconstruir novas identidades, apontar possibilidades de construção de um novo projeto de vida? Destaca que os/as adolescentes ao serem submetidos/as a um ambiente como esse, acabam sendo expostos/as cotidianamente a uma "pedagogia" que faz o contrário do que prega. Ou seja, a vivência em ambientes esvaziados de uma proposta educativa verdadeiramente humanizadora, perpassados pela violência, o abuso e a negligência, ao invés de humanizar, desumaniza, uma vez que o modo como operam as instituições educativas, seu cotidiano, os valores e as relações sociais que se estabelecem no seu interior, subliminarmente exercitam uma pedagogia que se reflete na formação dos socioeducandos. Aponta que a soma das experiências vivenciadas no interior dessas unidades se constitui numa dimensão muito mais deformativa do que formativa, sobretudo se olharmos sob a ótica da noção de currículo oculto, vamos notar que ali se manifesta um saber criado e partilhado nas interações sociais cotidianas, nas quais o que mais se sobressai é a violência em suas diversas manifestações e que, contraditoriamente, está institucionalizada em unidades que tem como objetivo a ressocialização de jovens e adolescentes. Inscreve o fenômeno no terreno da violência simbólica/institucional olhado a partir do tipo de tratamento dispensado pelo Estado aos sujeitos sociais das medidas socioeducativas, sujeitos estes que dada a sua invisibilidade social, torna-se naturalizado submetê-los a situações como aquelas denunciadas no Relatório de Inspeções. Este tratamento também acaba sendo perpassado pelos modos preconceituosos como a sociedade lida com estes/as jovens e adolescentes, cuja marca principal é a estigmatização, a qual também se torna implícita nas relações travadas no interior das Unidades Socioeducativas. Reconhece que a realidade das Unidades de Medidas Socioeducativas do Ceará hoje, exige, dentre outras medidas urgentes e importantes, a construção coletiva de um projeto político sociopedagógico que subsidie a implementação de uma pedagogia distinta da que está instituída. Um projeto que seja capaz de atender as necessidades educativas dos socioeducandos em consonância com a legislação e normatização vigentes no âmbito nacional e internacional. Uma pedagogia que se alimente dos fundamentos da pedagogia social. Referências ABRAMOVAY, M. DEBATE: Violência, mediação e convivência na escola. Ministério da Educação, Boletim Nº 23/ novembro de 2005. ADORNO, S. A experiência precoce da punição. In J. S Martins (Org.), O massacre dos inocentes (pp.181-208). São Paulo: Hucitec, 1993. ARROYO, Miguel. Indagações sobre currículo. Educandos e educadores: seus direitos e o currículo. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. 52 p. BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Vozes: Petrópolis, 1996. BRANT, V. Caldeira., São Paulo: trabalhar e viver. São Paulo, Brasiliense, 1989 BRASIL. Constituição Federal. Brasília: 1988. ____. Lei nº 12.594/12: SINASE. Brasília: 2012. ____. 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