Artigo Anais V ENLIJE

ANAIS de Evento

ISSN: 2317-0670

DESENHANDO O “BAIRRO”: LEITURA DE CORDEL NA SALA DE AULA

Palavra-chaves: LITERATURA E OUTRAS ARTES, CORDEL NA SALA DE AULA, ILUSTRAÇÃO E RECEPÇÃO Comunicação Oral (CO) GT-13: Literatura e outras artes: reflexões, interfaces e reverberações no ensino
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      O texto literário estabelece relações com várias outras manifestações artísticas, como a pintura, a dança, a música, o teatro, etc. No caso do cordel, podemos fazer essa relação com a própria xilogravura estampada na capa. No contexto da sala de aula podemos utilizar estratégias metodológicas de leitura literária a partir desse contato que a literatura mantém com outras artes. Nosso trabalho tem como objetivo apresentar um recorte da experiência de leitura de cordel na sala de aula durante a pesquisa de mestrado realizada entre 2012 e 2014, com alunos do primeiro ano do ensino médio. Para tanto, analisaremos como os alunos recepcionaram a leitura do cordel Um Bairro Chamado Lagoa do Mato, do poeta popular Antonio Francisco, a partir de ilustrações. Nosso estudo tem como base teórica Colomer (2007), sobre a leitura compartilhada e Marinho & Pinheiro (2012), quando nos referimos a questões sobre a literatura de cordel e o ensino.\r\n
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      DESENHANDO O “BAIRRO”: LEITURA DE CORDEL NA SALA DE AULA\r\n
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      Hadoock Ezequiel Araújo de MEDEIROS\r\n
      Universidade Federal do Rio Grande do Norte\r\n
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      1 Introdução \r\n
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        A poesia nos proporciona experiências que ampliam nosso horizonte e nos torna mais sensibilizados. Como afirma Candido (1972), ela tem uma função humanizadora. Logo, essa forma de arte passa a ser um direito de todos. No entanto, muitas vezes a vivência com a leitura poética não nos é concedida. Pensando nisso, acreditamos que um bom caminho para que as pessoas tenham uma vivência com a poesia é o ambiente escolar. Porém, na maioria dos casos é esquecido o seu valor estético, sendo trabalhada apenas como ferramenta de ensino. \r\n
      No tocante a literatura de cordel, dificilmente ela é lida em sala de aula, sendo, na maioria das vezes, objeto de estudo sobre aspectos históricos ou folclóricos. Porém, devemos lembrar que o cordel é um gênero que possui uma diversidade de elementos que podem ser explorados, como rimas, sons, imagens, musicalidades e temas variados, possibilitando ao professor elaborar metodologias que atendam as expectativas do aluno/leitor. \r\n
      No universo dessa literatura, destacamos o cordelista Antonio Francisco, natural de Mossoró-RN, que traz em seus cordéis um caráter de crítica social, permeado por imagens e personificações que nos faz refletir sobre as atitudes do homem contemporâneo. Compreendendo esses aspectos literários presentes na sua poesia, acreditamos que seus cordéis devem ser levados para a sala de aula. \r\n
      Nosso trabalho tem como objetivo apresentar um recorte da experiência de leitura de cordel na sala de aula durante a pesquisa de mestrado, desenvolvida entre 2012 e 2014 no Mestrado em Linguagem e Ensino – UFCG/PB.  A leitura de folhetos foi realizada com alunos do primeiro ano do ensino médio de uma escola pública da cidade de São João do Sabugi/RN. Para tanto, analisaremos como os alunos recepcionaram a leitura do cordel Um Bairro Chamado Lagoa do Mato, do poeta popular Antonio Francisco, a partir de ilustrações. Nosso estudo tem como base teórica Colomer (2007), sobre a leitura compartilhada e Marinho & Pinheiro (2012), quando nos referimos a questões sobre a literatura de cordel e o ensino. \r\n
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      2 Vivências de poesia na sala de aula\r\n
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      A relação do homem com a poesia é algo que ocorre logo na infância, seja através de cantigas, brincadeiras de rodas, trava-línguas entre outras manifestações. Ao passar dos anos, essas vivências acabam se perdendo e, então, esquecemos nossa relação com a poesia. Nesse sentido, acreditamos ser a escola um lugar onde possamos dar continuidade a essas experiências.\r\n
      Alguns pesquisadores como Pinheiro  (2007) mostram que o trabalho com a poesia na escola não é significativo, quando comparado com outros textos. Para o autor, de todos os gêneros literários, é o gênero mais “ausente”. Quando essa poesia advém do meio “popular”, notamos um problema ainda maior, uma vez que se tem uma visão de que a cultura popular não faz parte de nossa literatura nacional, criando-se assim um certo preconceito. Se formos analisar melhor, notamos que algumas problemáticas estão presentes desde o ensino fundamental. Professores e os orientadores de leitura, normalmente, não priorizam este gênero, e quando o contemplam, desconhecem metodologias adequadas. Além do mais, muitos dos profissionais não têm o hábito de leitura de poesia.  \r\n
      Tratando-se do contexto do ensino médio, percebemos que pouca coisa muda quando comparamos ao ensino fundamental. Dificilmente se tem um trabalho que proporcione aos alunos uma vivência significativa com a poesia.  Durante a educação básica, ela é sublinhada pelo caráter utilitarista, tendo como objetivo, leituras que visam ilustrar um determinado tema. \r\n
      Muitas vezes, ao invés de se fazer a leitura, os alunos são obrigados a produzirem poemas. Assim, eles acabam criando um conceito de que poesia é apenas um texto rimado e, quando se fala em trabalhá-la em sala de aula, eles demonstram uma certa insatisfação. Acreditamos que o fazer da escola não é formar escritores de poesia, mas sim de “apreciar o texto literário, sensibilizar-se para a comunicação através do poético e usufruir da poesia como uma forma de comunicação com o mundo” (AVERBUCK, 1988, p. 67). A maneira de trabalhar a poesia na escola precisa ser melhor pensada. Para isso, devemos lançar mão de sua função, proporcionando uma relação significava entre leitor e obra, acentuando assim, a sensibilidade.\r\n
      Uma metodologia voltada para a leitura de poesia deve haver uma sensibilização do aluno/leitor e isso pode ser conseguido quando o profissional acerta o tom da leitura. O envolvimento, a discussão da temática e a relação dessa com a linguagem trazida na constituição do poema podem favorecer uma ampliação reflexiva do horizonte de expectativa do leitor. \r\n
      Colomer (2007, p.45. Grifos da autora), destaca que “a função do ensino literário na escola pode definir-se também como a ação de ensinar o que fazer entender um corpus de obras cada vez mais amplo e complexo”. Para que isso seja possível, é necessário que a aula de literatura se torne um espaço do diálogo, de forma que as percepções dos alunos/leitores possam ser compartilhadas. A poesia nas suas várias representações e composições precisa ser vivida pelos alunos.\r\n
      A leitura compartilhada da poesia pode ser um dos métodos utilizados pelo professor, visto que as várias interpretações feitas pelos alunos ajudam a entender melhor o texto. Algo que até então não tinha sido percebido pode ser evidenciado na interpretação do outro. Para Colomer, compartilhar as obras com as pessoas, além de ser prazeroso, se entende “mais e melhor os livros”, também faz com que o sujeito se sinta parte de uma “comunidade de leitores com referências e cumplicidades mútuas” (COLOMER, 2007, p. 143).\r\n
      \t Se quisermos sensibilizar nossos alunos, antes de tudo, precisamos respeitar seus interesses e as suas preferências de leitura. Elas podem ser uma porta de entrada para o trabalho com a poesia e com o texto literário no geral. No entanto, como afirma Pinheiro (2007), essas condições não são realizadas da noite para o dia, é preciso uma sistematização do trabalho e esse precisa ser “constantemente avaliado”. \r\n
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      3 Antonio Francisco e o viés do social\r\n
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      Antonio Francisco Teixeira de Melo nasceu em 1949 na cidade de Mossoró – RN. Filho de Chico de Perto e Pedrinha, criado por Tica de Perto e seu Perto “Num bairro pequeno afastado e deserto/Numa pequena e humilde casinha/ Lá perto de uma lagoa que tinha” (Antonio Francisco, 2011). Formado em História pela UERN, o poeta também experimentou várias profissões, como sapateiro e mecânico de bicicleta. Apaixonado pela vida, gasta parte de seu tempo andando de bicicleta pelas cidades do Rio Grande do Norte, colhendo amizade e plantando esperança, como ele próprio afirma. \r\n
      Sua poesia se inscreve pela reflexão em torno da sociedade e das atitudes do homem contemporâneo. Imortalizado pela Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), ocupa a cadeira 15, a qual pertencia ao poeta cearense Patativa do Assaré. Antonio Francisco vem se destacando como um dos nomes mais importantes da Literatura de Cordel brasileira da contemporaneidade.  Sua carreira literária de poeta iniciou-se aos 46 anos, escrevendo então sua primeira poesia Meu Sonho. \tSua obra é composta por uma produção de vários folhetos, que juntos resultam nos livros: Dez cordéis num cordel só (2001), Por motivos de Versos (2005), Veredas de Sombras (2007), Sete contos de Maria (2009), todos republicados na coleção completa Minha obra é um cordel, junto com a obra inédita O olho torto do rei, em 2011. Além de dois CDs: Os animais têm razão e Entre cordas e cordéis, nos quais contêm poesias recitadas e musicadas. \r\n
      Mais do que crítica social, seus cordéis pintam com poesia os cenários da região nordestina, apreciando a fauna e flora da caatinga, fazendo com que o leitor se sensibilize nesse contato com a natureza. Além disso, seus cordéis trazem uma retomada dos contos de fadas que de certa forma estão ligados a reflexão em torno da sociedade e do homem da atualidade sempre envolvidos em competições desenfreadas do mundo capitalista.\r\n
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      3.1 Um Bairro Chamado Lagoa do Mato: da infância ao presente\r\n
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      Dentre os cordéis do poeta Antonio Francisco, destacamos o cordel Um bairro chamado Lagoa do mato, presente no livro Por motivo de versos (2005), mas que também pode ser encontrado na versão de folheto o qual utilizaremos na análise desse artigo. Eis o cordel transcrito abaixo para a leitura:\r\n
      Um Bairro Chamado Lagoa do Mato\r\n
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      1- Nasci numa casa de frente pra linha,                     \r\n
      2- Num bairro chamado Lagoa do Mato. \r\n
      3- Cresci vendo a garça a marreca e o pato, \r\n
      4- Brincando por trás da nossa cozinha.\r\n
      5- A tarde chamava o vento que vinha \r\n
      6- Das bandas da praia pra nos abanar. \r\n
      7- Titia gritava está pronto o jantar! \r\n
      8- O sol se deitava, a lua saía, \r\n
      9- O trem apitava, a máquina gemia, \r\n
      10- Soltando faísca de fogo no ar. \r\n
      \r\n
      11- O galo cantava, peru respondia, \r\n
      12- Carão dava um grito quebrando aruá. \r\n
      13- A cobra piava caçando preá, \r\n
      14- Cantava em dueto o sapo e a jia,\r\n
      15- Aguapé se deitava depois se abria, \r\n
      16- Jogando seu cheiro nos braços do ar \r\n
      17- O vento trazia pro nosso pomar, \r\n
      18- Vovô se sentava no meio da gente \r\n
      19- Contando histórias de cabra valente \r\n
      20- Ouvindo lá fora o vento cantar.\r\n
       \r\n
      21- A lua entrava na casa da gente, \r\n
      22- Batia com força nas quatro paredes. \r\n
      23- Seus cacos caíam debaixo das redes\r\n
      24- Pintando na sala um céu diferente. \r\n
      25- Quando ela saía chegava o sol quente \r\n
      26- E com ele Zequinha pra gente brincar \r\n
      27- Comer melancia, depois se banhar \r\n
      28- Nas águas barrentas daquela lagoa. \r\n
      29- A vida era simples, barata tão boa, \r\n
      30- Que a gente nem via o tempo passar. \r\n
      31- O peixe pulava, a água espanava, \r\n
      32- A gente pegava uma ponta de linha, \r\n
      33- Amarrava um anzol numa vara que tinha\r\n
      34- E ia pra onde o peixe pulava. \r\n
      35- Num quarto de hora a gente voltava, \r\n
      36- Já tinha traíra pra gente almoçar, \r\n
      37- Piaba, manteiga pra gente fritar, \r\n
      38- Titia fritava a gente comia. \r\n
      39- Faltava dinheiro sobrava alegria \r\n
      40- Naquele pequeno pedaço de lar.\r\n
      \r\n
      41- Mas hoje o meu bairro está diferente. \r\n
      42- Calou-se o carão que cantava na croa, \r\n
      43- A boca do tempo comeu a lagoa\r\n
      44- E com ela se foi o sossego da gente. \r\n
      45- O vento que sopra agora é mais quente \r\n
      46- E sem energia não sabe soprar. \r\n
      47- A máquina do trem deixou de passar, \r\n
      48- Ninguém olha mais pros raios da Lua\r\n
      49- Que vive escondida no meio da rua \r\n
      50 Por trás dos néons sem poder brilhar. \r\n
      \r\n
      51- Perdeu-se a traíra debaixo do barro, \r\n
      52- O sapo e a jia também foram embora. \r\n
      53- Aguapé criou pé, deu no pé e agora? \r\n
      54- Só rosas de plásticos tristonhas num jarro,\r\n
      55- Fumaça de lixo, descarga de carro, \r\n
      56- Suor de esgoto pra gente cheirar,\r\n
      57- Telefone gritando pra gente pagar,\r\n
      58- Um louco na rua rasgando uma moto,\r\n
      59- Um besta na porta pedindo meu voto\r\n
      60- E outro lá fora querendo comprar.\r\n
      61- Um carro de som fanhoso bodeja: \r\n
      62- Tem água de coco, tem caldo de cana, \r\n
      63- Cocada de leite, gelé de banana, \r\n
      64- Remédio pra caspa tem copo, bandeja. \r\n
      65- E uns quatro vizinhos brincando de igreja \r\n
      66- Vão pra calçada depois do jantar. \r\n
      67- O mais exaltado começa a gritar: \r\n
      68- Jesus é fiel, castiga mais ama! \r\n
      69- E eu sem dormir rolando na cama \r\n
      70- E o homem insistindo: - Eu vou lhe salvar \r\n
      \r\n
      71- E pegue zoada por trás do quintal, \r\n
      72- Salada paul, pomada paçoca, \r\n
      73- Pamonha, canjica bejú, tapioca, \r\n
      74- A do Zé tem mais coco, a do Pepe é legal!\r\n
      75- Dez bola, dez bola, só custa um real! \r\n
      76- Mas traga a vasilha pra não derramar! \r\n
      77- Aproveite! Aproveite! Que vai se acabar! \r\n
      78- E alguém grita: gol! Minha casa estremece\r\n
      79- E eu digo baixinho: meu Deus se eu pudesse\r\n
      80- Armar minha rede no fundo do mar! \r\n
      \r\n
       \r\n
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      O cordel Um Bairro chamado Lagoa do Mato, se divide em dois momentos. O primeiro, que vai do verso 1 até o verso 40, é permeado pela memória em que o poeta busca na infância momentos de alegria. Para tanto, ele tenta reconstruir esse passado por meio do cenário bucólico e harmonioso entre o homem e a natureza que era característico desse bairro antes de ser sufocado pelo crescimento da cidade. \r\n
      No segundo momento, que inicia no verso 41 e se estende até o final do folheto, o poeta apresenta o mesmo espaço da infância, porém, modificado pela industrialização e agitação da cidade grande. Essas duas realidades, portanto, são posta em confrontos. Na primeira parte, o poeta realça os sons da natureza (canto dos animais e do vento), formando um espaço harmonioso, enquanto no segundo, ocorre uma mudança dos sons, sendo este permeado pelos ruídos sonoros da cidade (telefone gritando, moto, carro de som, etc.). Para isso, o poeta reconstrói os fragmentos da história por meio das imagens, levando o leitor a refletir sobre essas duas realidades. \r\n
      Lendo o título notamos que o bairro é um sujeito indefinido “Um Bairro”, e não “O Bairro”, o que faz com que esse ambiente não seja desconhecido para o leitor, pois ele pode ser visto como o bairro de quem está lendo e não apenas o do poeta. Para recriar o tempo da infância, nas primeiras estrofes o poeta vivencia a natureza evocando o vento, a lua, a praia e os animais característicos do sertão como, a jia, o sapo, o preá, a cobra e o carão, criando assim, um cenário bucólico. \r\n
      No entanto, esses elementos e animais não são posto tais como são na realidade. Eles são recriados pela imaginação poética, ganhando vozes e personificações que levam o leitor a se transportar para outro mundo, o mundo da fantasia e da imaginação. Como podemos observar nos versos 5, 8 e 9, o poeta personifica o advérbio tarde, as palavras lua, sol, e a máquina do trem, dando vida e voz a esses elementos: “A tarde chamava o vento que vinha/O sol se deitava, a lua saía/O trem apitava, a máquina gemia”. Ao perceber essas imagens, o poema vai criando movimentos que fazem com que o leitor crie um tempo para sua leitura, seguindo a descida do sol, o nascer da lua e o movimento do trem. \r\n
      Na primeira parte do cordel, como já foi mencionado anteriormente, é um espaço permeado por elementos naturais. Apesar de ser um bairro, ainda não se tem o avanço industrial da cidade Para tanto, o poeta cria um cenário que aproxima do espaço rural. No entanto, os elementos que o compõe transgridem a realidade e são personificados, como podemos observar nos versos 15 e 16: “Aguapés se deitava depois se abria/Jogando seu cheiro nos braços do ar”. Dessa forma, o poeta, a partir das imagens, recria a alegria vivida na infância, pois as personificações fazem parte do imaginário infantil, ao mesmo tempo em que se misturam homem e natureza.\r\n
      Se antes tínhamos um cenário bucólico, no segundo momento, encontramos um ambiente urbano cheio de objetos mecânicos que perturbam o sossego do homem. Tais objetos são representados pelo telefone, a moto e o carro, entre outros elementos. Ao invés de animais e natureza, temos máquinas, poluição, pessoas e sons mecânicos. A lagoa onde se passa a narrativa poética, agora foi engolida pelo tempo - “A boca do tempo comeu a lagoa” (verso 43).  As imagens que antes faziam o leitor se transportar para o passado, agora estão enterradas, mudas ou foram embora, como podemos ver nos versos 42, 51, 52 e 53: “Calou-se o carão que cantava na croa/ Perdeu-se a traíra debaixo do barro/O sapo e a jia também foram embora/Aguapé criou pé, deu no pé e agora?”. \r\n
      \t Analisando o verso 42, “Calou-se o carão que cantava na croa”, as repetições da consoante (c) recriam o canto do carão ecoando na memória do poeta.  O verso 53, “Aguapé criou pé, deu no pé e agora?” traz uma aliteração na repetição do (p), que ao fazermos a leitura, cria-se a sensação de um trava língua, que além de deixar a leitura divertida, a imagem criada da planta faz com que o leitor se sensibilize, pois ao observar a primeira parte do cordel, a personificação dada ao aguapé, “aguapé se deitava e depois se abria/jogando seu cheiro nos braços do ar”, desenhava um cenário harmonioso. Agora, essa personificação passa por um processo de metamorfose criando pé e fugindo do espaço conturbado da cidade. Neste sentido, podemos associar este aguapé, não só com a planta, mas com o próprio homem que perdeu a tranquilidade vivida no campo e foi sufocado pela vida urbana, mecânica e artificial.   \r\n
      A repetição da palavra pé “aguapé criou pé deu no pé”, cria uma musicalidade no verso. Porém, essa musicalidade é interrompida no final do verso com a pergunta: “E agora?”. Neste pequeno intervalo, o poeta leva o leitor a se perguntar e pensar para onde foi todo aquele cenário representado no primeiro momento que corresponde à infância e a harmonia entre o homem/natureza. Logo em seguida, o poeta traz elementos artificiais que substituíram os naturais: “Só rosas de plásticos tristonhas num jarro/Fumaça de lixo, descarga de carro” (versos 54,55). Notemos que o som emitido pelo uso do (rr) recorrente nos dois versos, pode está dando efeito de arranhado, pois o cenário natural que se tinha no primeiro momento, agora está arranhado e substituído pelas coisas artificiais e mecânica da industrialização. \r\n
      Nesse cenário, são apresentados vários elementos do cotidiano que proporcionam o leitor a criar a imagem da cidade. Como por exemplo, os vendedores de rua: “Um carro de som fanhoso bodeja:/Tem água de coco, tem caldo de cana/Cocada de leite, gelé de banana/Remédio pra caspa tem copo, bandeja” (61-64). Esse ambiente segue até o final do cordel, que é pausado por dois pontos “E eu digo baixinho:”. Em seguida, o poeta roga a Deus dizendo: “meu Deus se eu pudesse/Armar minha rede no fundo do mar! Nesse final, percebemos que ao reconstruir o passado por meio da memória, o poeta sabe que não tem como voltar ao espaço tranquilo da infância, e utopicamente, ele deseja armar sua rede no fundo do mar, um lugar que possivelmente poderia se distanciar da poluição sonora  das cidades, permitindo assim, uma reaproximação com a natureza.\r\n
      \r\n
      4 Leitura de cordel na sala de aula \r\n
      \r\n
      Pensar no ensino de literatura na sala de aula é pensar em todo um sistema, uma vez que existem várias barreiras que dificultam o convívio com essa literatura no âmbito escolar. Talvez, uma das principais causas, seja a falta de conhecimento de leitura de textos teóricos ou mesmo de textos literários por parte dos docentes. Refletindo sobre essa problemática, alguns pesquisadores da área, como Pinheiro (2012), assinalam que o ensino de literatura nas escolas públicas brasileiras, principalmente no ensino médio, geralmente se apoia em um modelo tradicional, se prendendo a metodologias que não viabilizam uma vivência significativa com os textos literários. Na maioria dos casos, esses profissionais ficam dependentes ao ensino historiográfico do livro didático.\r\n
      Quanto à poesia, ela é a menos explorada e, muitas vezes, é lembrada apenas com enfoque gramatical, deixando de lado sua função e sentido. Para pinheiro (2007), esse gênero provavelmente é o menos prestigiado no que diz respeito ao fazer pedagógico, pois se olharmos desde as manifestações infantojuvenil, não se tem muitos trabalhos efetivos com esse gênero no âmbito da sala de aula.   \r\n
      No tocante ao cordel, percebe-se que raramente esse gênero é trabalhado no âmbito escolar, e quando se trabalha, atentam-se para questões regionalistas e folclóricas, esquecendo o valor estético. De acordo com Pinheiro (2012),\r\n
      \r\n
      A literatura popular, em suas diferentes formas e manifestações, está secularmente ausente da prática de leitura empreendida pela escola. Consulte- se hoje os livros didáticos e praticamente não encontramos nada. Uma vertente desta literatura, a denominada mais recentemente de literatura de cordel, comparece ora aqui ora ali mais como folclore do que como uma literatura que expressa vivências humanas de determinados grupos sociais (MARINHO & PINHEIRO, 2012, p.103-104).\r\n
      \r\n
      Assim como qualquer outro gênero literário, uma metodologia com o cordel para a sala de aula precisa antes de tudo, que o professor tenha o conhecimento sobre esse gênero, como também, ser um leitor de cordel.  Para Pinheiro (2008), a formação do professor deve conter conhecimentos, tanto de leitura teóricas sobre a literatura de cordel, como também um maior conhecimento possível de folhetos mais antigos e novos. Partindo de sua experiência enquanto leitor de cordel, o professor terá maior facilidade para elaborar suas metodologias, além de fazer um trabalho contextualizado com os alunos.\r\n
      No trabalho de leitura com o cordel, é importante que o professor saiba quais as preferências e os gostos de leitura dos alunos, conhecendo suas experiências com a cultura popular, seja ela lida, ouvida ou mesmo sua presença no ambiente familiar. Nessa sondagem serão rememoradas as experiências da infância, como por exemplo, as cantigas de roda, adivinhações, trava-línguas, quadras, etc. Deve-se também, atentar a forma de como será feita a leitura. Para Marinho e Pinheiro, “a primeira e fundamental atividade deve ser a de ler em voz alta. E se possível, realizar mais de uma leitura. Esta repetição ajudará a perceber o ritmo e encontrar os diferentes andamentos que o folheto possa comportar e trabalhar as entonações de modo adequado.” (MARINHO e PINHEIRO, 2012, p.129).\r\n
      \tApós essa leitura oral, o professor pode pensar em várias outras estratégias. Ainda tomando como referência, Marinho e Pinheiro (20012), no livro O cordel no cotidiano escolar, os autores trazem várias outras sugestões para se trabalhar a leitura do cordel, como por exemplo, leituras expressivas, recitações e jogos e a leitura das imagens estampadas nas capas dos folhetos. Com isso, o professor tornará a aula mais dinâmica e prazerosa. \r\n
      Partindo desses pressupostos, acreditamos que metodologias voltadas para leituras de poesia no âmbito da sala de aula, devem ser elaboradas de forma que proporcione ao aluno/leitor uma interação com o texto. De acordo com as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (OCEM 2006), a fruição estética é possibilitada quando o leitor constrói sentidos para o texto lido.  Para tanto, é preciso que essas metodologias compreendam uma leitura compartilhada de textos que atendam as expectativas desse aluno/leitor. Para Colomer, \r\n
      \r\n
      Compartilhar as obras com outras pessoas é importante porque torna possível beneficiar-se da competência dos outros para construir o sentido e obter o prazer de entender mais e melhor os livros. Também porque permite experimentar a literatura em sua dimensão socializadora, fazendo com que a pessoa se sinta parte de uma comunidade de leitores com referência e cumplicidades mútuas. (COLOMER 2007, p.143) \r\n
      \r\n
      Compartilhar a leitura significa trocar experiências. Para que isso seja possível, o professor precisa adotar novas estratégias de leitura que se desprendam do método tradicional em que o aluno é apenas receptor do conhecimento alheio. Ao manter esse diálogo, as pessoas envolvidas nesse processo serão beneficiadas.\r\n
       \r\n
      4.1 Preenchendo os espaços do Bairro\r\n
      \r\n
      No processo de leitura literária em sala de aula, antes de tudo, é preciso pensar em algumas estratégias metodológicas que possibilitem ao aluno/leitor uma interação com o texto. A esse respeito, Cosson (2006, p.54) fala sobre a motivação. Para o autor, o núcleo da motivação “consiste exatamente em preparar o aluno para entrar no texto”. Partindo dessa concepção, nossa experiência buscou metodologias que criassem uma expectativa no leitor com relação aos folhetos lidos.\r\n
      Na primeira leitura, referente ao cordel Um Bairro chamado Lagoa do Mato, como forma de motivar os alunos, apresentamos duas fotografias da cidade onde foi desenvolvida nossa intervenção. As imagens retratavam a cidade nos anos de 1950, quando ainda tinha características de um espaço rural e a outra retratava a atualidade, ambiente em que predominam edificações e máquinas. Como podemos observar abaixo:\r\n
      \r\n
      São João do Sabugi – 1950                                   Cidade São João do Sabugi – Atual\r\n
               \r\n
      Fonte - Anchieta França. Disponível em: HTTP://www. anchietafotofranca.blogspot.com\r\n
      \r\n
      Tomamos como base para a escolha dessas fotos a narrativa apresentada no folheto, em que aparecem dois momentos distintos (passado/bucólico e presente/mecânico). Após a exposição dessas fotografias, pedimos aos alunos para que fizessem uma leituras, comparando como era a cidade antes e como era agora. Para isso, solicitamos que eles apresentassem elementos que compunham o espaço antigo e o atual. Para o espaço antigo, os alunos destacaram os seguintes elementos:\r\n
      \r\n
      Aluna 1 No espaço antigo tinha vaca.\r\n
      Aluno 2: Galinha.\r\n
      Aluno 3: Coruja. \r\n
      Aluno 4: Vaquejada.\r\n
      \r\n
      A descrição foi de um ambiente rural, característica de uma cidade do interior nos anos de 1950. Como estávamos fazendo uma leitura comparada das fotos, sugerimos que, a partir dos cenários, pensassem nos aspectos visuais e em possíveis sons que ocorriam na época em que as fotos foram tiradas. No que diz respeito à primeira, todos foram unânimes e responderam: “Sons de animais”.\r\n
      Por conseguinte, pedimos para que os alunos comentassem sobre a foto da atualidade - o que podíamos identificar nela que não tinha na outra? Respondendo a isso, eles afirmaram que encontraríamos:\r\n
      \r\n
      Aluno 3: Som de carros.\r\n
      Aluna 5: Pessoas conversando.\r\n
      Aluna 1: Moto fazendo barulho.\r\n
      \r\n
      Analisando as descrições dos alunos com relação às fotos, vimos que foram significativas para que pudéssemos iniciar a leitura do folheto, pois as observações feitas por eles foram ao encontro dos elementos identificados no poema. O Aluno 1 ao realizar a leitura da foto da atualidade, destacou uma “moto fazendo barulho”, percepção que faz relação a uma das imagens que o poeta traz no cordel, “Um louco na rua rasgando uma moto”. Portanto, as respostas dadas pela turma foram bem intuídas, já que os alunos trouxeram algo ligado ao horizonte de conhecimento deles, percebendo os principais sons de uma cidade.\r\n
      Após essa motivação iniciamos nossas leituras. Primeiramente, pedimos para que eles lessem em silêncio. Em seguida, foram feitas leituras orais por mais de um aluno. Terminada a leitura feita pelos alunos, fizemos uma performance do cordel. Logo em seguida, chamamos a atenção dos alunos para a leitura, mostrando alguns pontos importantes como a pontuação e a entonação. Diante disso, pedimos mais uma vez que eles realizassem uma leitura oral, mais dessa vez, respeitando esses elementos, de forma que ficasse expressiva.\r\n
      Terminado esse momento, organizamos uma espécie de debate. Para tanto, lançamos algumas perguntas: Vocês gostaram do cordel? Existe alguma relação com as imagens apresentadas no início da aula? Qual é essa relação? Do que vocês gostaram? Tem alguma passagem, verso ou estrofe que vocês poderiam destacar?\r\n
      De início, as respostas foram breves, o que já esperávamos, uma vez que eles não estavam acostumados a debater a leitura de poesia em sala de aula. Assim, a maioria deles respondeu que “o cordel era muito bonito”, uma frase que sempre ouvíamos em conversas informais com os alunos quando falávamos a respeito de algum texto literário lido por eles. Seguindo com o debate, retomamos alguns aspectos que eles tinham identificado nas fotografias e perguntamos o que eles poderiam relacionar com o cordel. Diante disso, a Aluna 6 iniciou dizendo: “Ah, ele fala primeiro do bairro, dos animais. Depois ele fala da cidade e dos carros”. \r\n
      Então, questionamos: Mas como estão representados os cenários nesses dois momentos do bairro? O Aluno 3, respondeu que antes do bairro se tornar agitado, “tinha animais que cantavam como o galo, além de outras coisas, como a lua e o vento”. Com esses questionamentos, os alunos foram construindo aos poucos o sentido para o poema através de nossa mediação, cujo objetivo foi mostrar como o poeta representava a crítica social a partir da linguagem poética. \r\n
      De acordo com suas respostas, chamamos a atenção para o aspecto que fosse relevante nas suas falas. No caso do Aluno 3, que tocou em alguns elementos como o vento, perguntamos: “Mas como é esse vento?”. Ele respondeu que “era um vento da praia”. Indagamos como era que esse vento era representado no segundo momento do cordel: Como era esse vento antes? E como é agora? Vocês acham que mudou alguma coisa em relação ao primeiro momento do poema? \r\n
      Com esses apontamentos, os alunos destacaram os versos: “O vento que sopra agora é mais quente/E sem energia não sabe soprar” e falaram que antes o vento deveria ser agradável, pois o ambiente era rural o clima era melhor. Agora, era quente e só ventava com a “ajuda de um ventilador”. Notamos, portanto, que com o debate, os alunos foram criando suas próprias interpretações e dando sentido para o texto. Nesse caso, se revisitássemos a teoria dos vazios formulada por Iser (1979), diríamos que esses alunos preencheram os espaços vazios deixados no poema. Sem que precisássemos dar-lhes uma interpretação, eles construíram sentidos. No verso “O vento que sopra agora é mais quente”, os alunos entenderam que havia uma analogia com o vento produzido a partir da tecnologia do ventilador.\r\n
      Destacamos, então, a importância da leitura compartilhada defendida por Colomer (2007), pois ao discutir com os alunos o texto por meio de perguntas, indagações, foi possível dar uma interpretação para o poema, coletivamente.  Se antes os alunos eram tímidos, com respostas curtas, no debate, eles acabaram falando mais e fundamentando suas falas em suas experiências de vida. Trazendo as contribuições de Marinho e Pinheiro (2012), essa forma de debater torna-se interessante na medida em que não precisamos necessariamente dizer aos alunos que se trata de um debate.\r\n
      Prosseguindo as discussões em torno da leitura do cordel, adotamos uma nova estratégia, ao invés de perguntas, dividimos a turma em grupos. Entregamos algumas folhas para que eles desenhassem  as cenas que mais lhe chamaram a atenção na leitura do folheto. Abaixo seguem alguns exemplos:\r\n
      \r\n
      Figura 2 – Carro de som -  Ilustração produzida pelos alunos para o folheto Um Bairro chamado Lagoa do Mato\r\n
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                 Fonte – Acervo do pesquisador. MEDEIROS (2014)\r\n
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      Nesse primeiro desenho feito pelos alunos , temos a representação do seguinte verso “Um carro de som fanhoso bodeja”, em que o poema apresenta uma cena comum das cidades, onde encontramos vendedores ambulantes fazendo propagandas do produto vendido - “Tem água de coco, tem caldo de cana/cocada de leite, gelé de banana”. Além da relação com o cotidiano, outro fator que pode ter chamado a atenção dos alunos para essa imagem poética, foi a forma como o poeta brinca com a linguagem, pois, além de trazer um tom de crítica social, o poema é revestido pela ludicidade. Vemos que o carro de som adquire uma certa animação, uma vez que o seu som é comparado ao som onomatopaico do bode – “bodeja”. \r\n
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      Figura 3 – Ilustração de São João do Sabugi\r\n
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      Fonte- Acervo do pesquisador. MEDEIROS (2014)\r\n
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      Nessa figura dois, feita pelos alunos CN, AF, DM3 e YM, existe a representação de várias passagens do cordel. Primeiramente, destacamos os cenários dos dois momentos da narrativa. Na parte de cima, o desenho se configura com aspectos rurais, enquanto a parte de baixo se caracteriza como sendo a cidade. Interessante observar que os alunos associaram a história do cordel com a cidade deles. À esquerda temos a Serra do Mulungu, símbolo admirado pelos moradores de São João do Sabugi/RN, ao centro, a Igreja de São João Batista, o padroeiro da cidade e ao lado um curral, aspectos esses que também foram retratados na fotografia apresentada durante a motivação da leitura. \r\n
      Chamamos a atenção para alguns detalhes do desenho dos alunos que fazem referência à leitura do folheto. Vemos que há algumas pessoas na calçada e outras se dirigindo à igreja, imagens  que podemos associar às seguintes passagens do poema: “E uns quatro vizinhos brincando de igreja/Vão pra calçada depois do jantar”. Na parte inferior da imagem, o Aluno DM3 sinalizou a casa do canto direito como sendo a sua residência. Portanto, vemos que no desenho os alunos relacionaram a narrativa com suas vivências cotidianas.\r\n
      Nas outras produções dos grupos (11 desenhos), são representados os dois ambientes representados no cordel. Sempre trazendo a imagem da “Lagoa do Mato”, dos animais que fazem parte do cenário e vários outros elementos da natureza. \r\n
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      Figura 4 – Ilustração de passagens do cordel Um Bairro chamado Lagoa do Mato\r\n
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      Fonte – Acervo do pesquisador. MEDEIROS (2014)\r\n
      \r\n
      Até o momento, o que não tinha sido expresso oralmente pelos alunos foi exposto nos desenhos. Quando perguntamos quais as passagens da narrativa do cordel que eles mais gostaram, não colhemos muitas impressões. Já na figura acima, observamos que são muitos detalhes que podemos relacionar com as passagens do folheto. Primeiramente, destacamos dois elementos naturais: o sol e a lua, que possivelmente foram imagens que chamaram a atenção dos alunos – “O sol se deitava a lua saía”. Ainda com relação à natureza, temos a figura de um menino, que no caso seria a representação da vida simples e barata do campo, em que o poeta idealiza: “O peixe pulava a água espanava/ A gente pegava uma ponta de linha/Amarrava um anzol numa vara que tinha/E ia pra onde o peixe pulava”.\r\n
      Notamos então que o desenho traz toda uma representação do cenário bucólico da história. No entanto, chamamos a atenção para a casa que tem ao lado esquerdo do desenho. Analisando os detalhes, notamos que pela janela da casa é possível observar um jarro de flores. Quando comparamos o desenho com a leitura do poema, temos uma cena que consideramos, talvez, a mais forte, se pensarmos na transformação do bucólico para o artificial.\r\n
      De todos os elementos trazidos na história, as rosas são as mais delicadas, uma vez que são admiradas pela sua beleza e perfume. Na passagem do ambiente rural para o da cidade, essa delicadeza é transformada, passa do natural para o artificial, “Só rosas de plásticos tristonhas num jarro”. Vimos então, que essa metamorfose foi uma das imagens que chamou a atenção desses alunos, como foi evidenciado no desenho.\r\n
      Essa atividade foi significativa para colhermos as impressões dos alunos a respeito da leitura, pois muitos deles ficaram calados no momento do debate. O aluno AN, por exemplo, não interagia nas discussões, e com essa estratégia, ele foi o primeiro do grupo a se interessar. Além disso, os desenhos serviram de ponte para que os alunos percebessem as imagens poéticas trazidas no poema para representar o social.\r\n
       \r\n
      5 Conclusões \r\n
      \r\n
      As tradições advindas da oralidade fazem parte do cotidiano de muitos dos nordestinos. As primeiras vivências com essa arte se fazem a partir do berço quando ouvimos canções de ninar, brincamos com cantigas de roda, jogos, adivinhas, entre outras manifestações. E quando crescemos em um ambiente onde vivenciamos o popular, ouvimos Histórias de Trancoso, Causos, Cocos, Repentes de viola, cordéis e muitas outras vivências que compreendem esse universo popular. Dessa forma, a cultura popular é passada de geração para geração e se constitui como parte de nossa identidade.\r\n
      Mesmo servindo como base de nossas experiências, as culturas populares parecem se perder na passagem da infância para a vida adulta, pois são esquecidas pela cultura de massa e se tornam para alguns, uma cultura sem valores literários. Com isso, o cordel, fruto das tradições orais, ainda é tido como uma literatura menor. É por esse e outros motivos, que temos a preocupação de fazer com que o cordel chegue até a sala de aula, pois precisamos manter viva essa tradição que se constitui como uma verdadeira obra de arte e que junto com a literatura canônica compõe importante espaço na formação de leitores. \r\n
      Com tudo, acreditamos que o trabalho com cordel na sala de aula ainda é um desafio, visto que existem inúmeros obstáculos como, o preconceito e a forma de como ela é explorada.  Nesse trabalho, serve como sugestão para quem deseja levar o cordel para a sala de aula. Como vimos, podemos utilizar diversas abordagens metodológicas na leitura do folheto. Essa literatura pode ser trabalhada em consonância com outras artes. No caso do desenho, utilizamos como forma de colher as impressões dos alunos a respeito das imagens construídas ao longo da narrativa poética. Dessa maneira, acreditamos que a estratégia adota foi significativa, uma vez que os alunos conseguiram, a partir do desenho,  expor o que entenderam do texto. \r\n
      \r\n
      Referências \r\n
      \r\n
      AYALA, Maria Ignez Novais. Aprendendo a apreender a cultura popular. In: PINHEIRO, Hélder (Org.). Pesquisa em literatura. 2.ed. Campina Grande: Bagagem, 2011. p.95-131.\r\n
      \r\n
      BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEB, 2006.\r\n
      \r\n
      CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Ciência e Cultura. São Paulo, p. 803-809, set. 1972.\r\n
      \r\n
      COLOMER, Teresa. Andar entre livros: a leitura literária na escola. Trad. Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2007.\r\n
      \r\n
      COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.\r\n
      \r\n
      MARINHO, Ana Cristina & PINHEIRO, Hélder . O Cordel no cotidiano escolar. São Paulo: Cortez, 2012. (coleção trabalhando com... na escola).\r\n
      \r\n
      MELO, Antônio Francisco Teixeira de. Minha obra é um cordel. 10ª ed. Fortaleza: IMEPH, 2011. (Obra Completa) \r\n
      \r\n
       PINHEIRO, Hélder. Poesia na sala de aula. 3 ed. rev. ampl. Campina Grande: Bagagem, 2007.\r\n
      \r\n
      ______. A abordagem do poema na prática de ensino: reflexões e propostas. In: MENDES, Soélis Teixeira do Prado; ROMANO, Patrícia Aparecida Beraldo (Orgs.). Práticas de língua e literatura no ensino médio: Olhares diversos, múltiplas propostas. Campina Grande: Bagagem, 2012.p.85-116.\r\n
      \r\n
      SOBRINHO, José Alves. Cantadores, Repentistas e poetas Populares. Campina Grande: Bagagem, 2003.
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      O texto literário estabelece relações com várias outras manifestações artísticas, como a pintura, a dança, a música, o teatro, etc. No caso do cordel, podemos fazer essa relação com a própria xilogravura estampada na capa. No contexto da sala de aula podemos utilizar estratégias metodológicas de leitura literária a partir desse contato que a literatura mantém com outras artes. Nosso trabalho tem como objetivo apresentar um recorte da experiência de leitura de cordel na sala de aula durante a pesquisa de mestrado realizada entre 2012 e 2014, com alunos do primeiro ano do ensino médio. Para tanto, analisaremos como os alunos recepcionaram a leitura do cordel Um Bairro Chamado Lagoa do Mato, do poeta popular Antonio Francisco, a partir de ilustrações. Nosso estudo tem como base teórica Colomer (2007), sobre a leitura compartilhada e Marinho & Pinheiro (2012), quando nos referimos a questões sobre a literatura de cordel e o ensino.\r\n
      \r\n
      DESENHANDO O “BAIRRO”: LEITURA DE CORDEL NA SALA DE AULA\r\n
      \r\n
      Hadoock Ezequiel Araújo de MEDEIROS\r\n
      Universidade Federal do Rio Grande do Norte\r\n
      \r\n
      \r\n
      1 Introdução \r\n
      \r\n
        A poesia nos proporciona experiências que ampliam nosso horizonte e nos torna mais sensibilizados. Como afirma Candido (1972), ela tem uma função humanizadora. Logo, essa forma de arte passa a ser um direito de todos. No entanto, muitas vezes a vivência com a leitura poética não nos é concedida. Pensando nisso, acreditamos que um bom caminho para que as pessoas tenham uma vivência com a poesia é o ambiente escolar. Porém, na maioria dos casos é esquecido o seu valor estético, sendo trabalhada apenas como ferramenta de ensino. \r\n
      No tocante a literatura de cordel, dificilmente ela é lida em sala de aula, sendo, na maioria das vezes, objeto de estudo sobre aspectos históricos ou folclóricos. Porém, devemos lembrar que o cordel é um gênero que possui uma diversidade de elementos que podem ser explorados, como rimas, sons, imagens, musicalidades e temas variados, possibilitando ao professor elaborar metodologias que atendam as expectativas do aluno/leitor. \r\n
      No universo dessa literatura, destacamos o cordelista Antonio Francisco, natural de Mossoró-RN, que traz em seus cordéis um caráter de crítica social, permeado por imagens e personificações que nos faz refletir sobre as atitudes do homem contemporâneo. Compreendendo esses aspectos literários presentes na sua poesia, acreditamos que seus cordéis devem ser levados para a sala de aula. \r\n
      Nosso trabalho tem como objetivo apresentar um recorte da experiência de leitura de cordel na sala de aula durante a pesquisa de mestrado, desenvolvida entre 2012 e 2014 no Mestrado em Linguagem e Ensino – UFCG/PB.  A leitura de folhetos foi realizada com alunos do primeiro ano do ensino médio de uma escola pública da cidade de São João do Sabugi/RN. Para tanto, analisaremos como os alunos recepcionaram a leitura do cordel Um Bairro Chamado Lagoa do Mato, do poeta popular Antonio Francisco, a partir de ilustrações. Nosso estudo tem como base teórica Colomer (2007), sobre a leitura compartilhada e Marinho & Pinheiro (2012), quando nos referimos a questões sobre a literatura de cordel e o ensino. \r\n
      \r\n
      2 Vivências de poesia na sala de aula\r\n
      \r\n
      A relação do homem com a poesia é algo que ocorre logo na infância, seja através de cantigas, brincadeiras de rodas, trava-línguas entre outras manifestações. Ao passar dos anos, essas vivências acabam se perdendo e, então, esquecemos nossa relação com a poesia. Nesse sentido, acreditamos ser a escola um lugar onde possamos dar continuidade a essas experiências.\r\n
      Alguns pesquisadores como Pinheiro  (2007) mostram que o trabalho com a poesia na escola não é significativo, quando comparado com outros textos. Para o autor, de todos os gêneros literários, é o gênero mais “ausente”. Quando essa poesia advém do meio “popular”, notamos um problema ainda maior, uma vez que se tem uma visão de que a cultura popular não faz parte de nossa literatura nacional, criando-se assim um certo preconceito. Se formos analisar melhor, notamos que algumas problemáticas estão presentes desde o ensino fundamental. Professores e os orientadores de leitura, normalmente, não priorizam este gênero, e quando o contemplam, desconhecem metodologias adequadas. Além do mais, muitos dos profissionais não têm o hábito de leitura de poesia.  \r\n
      Tratando-se do contexto do ensino médio, percebemos que pouca coisa muda quando comparamos ao ensino fundamental. Dificilmente se tem um trabalho que proporcione aos alunos uma vivência significativa com a poesia.  Durante a educação básica, ela é sublinhada pelo caráter utilitarista, tendo como objetivo, leituras que visam ilustrar um determinado tema. \r\n
      Muitas vezes, ao invés de se fazer a leitura, os alunos são obrigados a produzirem poemas. Assim, eles acabam criando um conceito de que poesia é apenas um texto rimado e, quando se fala em trabalhá-la em sala de aula, eles demonstram uma certa insatisfação. Acreditamos que o fazer da escola não é formar escritores de poesia, mas sim de “apreciar o texto literário, sensibilizar-se para a comunicação através do poético e usufruir da poesia como uma forma de comunicação com o mundo” (AVERBUCK, 1988, p. 67). A maneira de trabalhar a poesia na escola precisa ser melhor pensada. Para isso, devemos lançar mão de sua função, proporcionando uma relação significava entre leitor e obra, acentuando assim, a sensibilidade.\r\n
      Uma metodologia voltada para a leitura de poesia deve haver uma sensibilização do aluno/leitor e isso pode ser conseguido quando o profissional acerta o tom da leitura. O envolvimento, a discussão da temática e a relação dessa com a linguagem trazida na constituição do poema podem favorecer uma ampliação reflexiva do horizonte de expectativa do leitor. \r\n
      Colomer (2007, p.45. Grifos da autora), destaca que “a função do ensino literário na escola pode definir-se também como a ação de ensinar o que fazer entender um corpus de obras cada vez mais amplo e complexo”. Para que isso seja possível, é necessário que a aula de literatura se torne um espaço do diálogo, de forma que as percepções dos alunos/leitores possam ser compartilhadas. A poesia nas suas várias representações e composições precisa ser vivida pelos alunos.\r\n
      A leitura compartilhada da poesia pode ser um dos métodos utilizados pelo professor, visto que as várias interpretações feitas pelos alunos ajudam a entender melhor o texto. Algo que até então não tinha sido percebido pode ser evidenciado na interpretação do outro. Para Colomer, compartilhar as obras com as pessoas, além de ser prazeroso, se entende “mais e melhor os livros”, também faz com que o sujeito se sinta parte de uma “comunidade de leitores com referências e cumplicidades mútuas” (COLOMER, 2007, p. 143).\r\n
      \t Se quisermos sensibilizar nossos alunos, antes de tudo, precisamos respeitar seus interesses e as suas preferências de leitura. Elas podem ser uma porta de entrada para o trabalho com a poesia e com o texto literário no geral. No entanto, como afirma Pinheiro (2007), essas condições não são realizadas da noite para o dia, é preciso uma sistematização do trabalho e esse precisa ser “constantemente avaliado”. \r\n
      \r\n
      3 Antonio Francisco e o viés do social\r\n
      \r\n
      Antonio Francisco Teixeira de Melo nasceu em 1949 na cidade de Mossoró – RN. Filho de Chico de Perto e Pedrinha, criado por Tica de Perto e seu Perto “Num bairro pequeno afastado e deserto/Numa pequena e humilde casinha/ Lá perto de uma lagoa que tinha” (Antonio Francisco, 2011). Formado em História pela UERN, o poeta também experimentou várias profissões, como sapateiro e mecânico de bicicleta. Apaixonado pela vida, gasta parte de seu tempo andando de bicicleta pelas cidades do Rio Grande do Norte, colhendo amizade e plantando esperança, como ele próprio afirma. \r\n
      Sua poesia se inscreve pela reflexão em torno da sociedade e das atitudes do homem contemporâneo. Imortalizado pela Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), ocupa a cadeira 15, a qual pertencia ao poeta cearense Patativa do Assaré. Antonio Francisco vem se destacando como um dos nomes mais importantes da Literatura de Cordel brasileira da contemporaneidade.  Sua carreira literária de poeta iniciou-se aos 46 anos, escrevendo então sua primeira poesia Meu Sonho. \tSua obra é composta por uma produção de vários folhetos, que juntos resultam nos livros: Dez cordéis num cordel só (2001), Por motivos de Versos (2005), Veredas de Sombras (2007), Sete contos de Maria (2009), todos republicados na coleção completa Minha obra é um cordel, junto com a obra inédita O olho torto do rei, em 2011. Além de dois CDs: Os animais têm razão e Entre cordas e cordéis, nos quais contêm poesias recitadas e musicadas. \r\n
      Mais do que crítica social, seus cordéis pintam com poesia os cenários da região nordestina, apreciando a fauna e flora da caatinga, fazendo com que o leitor se sensibilize nesse contato com a natureza. Além disso, seus cordéis trazem uma retomada dos contos de fadas que de certa forma estão ligados a reflexão em torno da sociedade e do homem da atualidade sempre envolvidos em competições desenfreadas do mundo capitalista.\r\n
      \r\n
      3.1 Um Bairro Chamado Lagoa do Mato: da infância ao presente\r\n
      \r\n
      Dentre os cordéis do poeta Antonio Francisco, destacamos o cordel Um bairro chamado Lagoa do mato, presente no livro Por motivo de versos (2005), mas que também pode ser encontrado na versão de folheto o qual utilizaremos na análise desse artigo. Eis o cordel transcrito abaixo para a leitura:\r\n
      Um Bairro Chamado Lagoa do Mato\r\n
      \r\n
       \r\n
      1- Nasci numa casa de frente pra linha,                     \r\n
      2- Num bairro chamado Lagoa do Mato. \r\n
      3- Cresci vendo a garça a marreca e o pato, \r\n
      4- Brincando por trás da nossa cozinha.\r\n
      5- A tarde chamava o vento que vinha \r\n
      6- Das bandas da praia pra nos abanar. \r\n
      7- Titia gritava está pronto o jantar! \r\n
      8- O sol se deitava, a lua saía, \r\n
      9- O trem apitava, a máquina gemia, \r\n
      10- Soltando faísca de fogo no ar. \r\n
      \r\n
      11- O galo cantava, peru respondia, \r\n
      12- Carão dava um grito quebrando aruá. \r\n
      13- A cobra piava caçando preá, \r\n
      14- Cantava em dueto o sapo e a jia,\r\n
      15- Aguapé se deitava depois se abria, \r\n
      16- Jogando seu cheiro nos braços do ar \r\n
      17- O vento trazia pro nosso pomar, \r\n
      18- Vovô se sentava no meio da gente \r\n
      19- Contando histórias de cabra valente \r\n
      20- Ouvindo lá fora o vento cantar.\r\n
       \r\n
      21- A lua entrava na casa da gente, \r\n
      22- Batia com força nas quatro paredes. \r\n
      23- Seus cacos caíam debaixo das redes\r\n
      24- Pintando na sala um céu diferente. \r\n
      25- Quando ela saía chegava o sol quente \r\n
      26- E com ele Zequinha pra gente brincar \r\n
      27- Comer melancia, depois se banhar \r\n
      28- Nas águas barrentas daquela lagoa. \r\n
      29- A vida era simples, barata tão boa, \r\n
      30- Que a gente nem via o tempo passar. \r\n
      31- O peixe pulava, a água espanava, \r\n
      32- A gente pegava uma ponta de linha, \r\n
      33- Amarrava um anzol numa vara que tinha\r\n
      34- E ia pra onde o peixe pulava. \r\n
      35- Num quarto de hora a gente voltava, \r\n
      36- Já tinha traíra pra gente almoçar, \r\n
      37- Piaba, manteiga pra gente fritar, \r\n
      38- Titia fritava a gente comia. \r\n
      39- Faltava dinheiro sobrava alegria \r\n
      40- Naquele pequeno pedaço de lar.\r\n
      \r\n
      41- Mas hoje o meu bairro está diferente. \r\n
      42- Calou-se o carão que cantava na croa, \r\n
      43- A boca do tempo comeu a lagoa\r\n
      44- E com ela se foi o sossego da gente. \r\n
      45- O vento que sopra agora é mais quente \r\n
      46- E sem energia não sabe soprar. \r\n
      47- A máquina do trem deixou de passar, \r\n
      48- Ninguém olha mais pros raios da Lua\r\n
      49- Que vive escondida no meio da rua \r\n
      50 Por trás dos néons sem poder brilhar. \r\n
      \r\n
      51- Perdeu-se a traíra debaixo do barro, \r\n
      52- O sapo e a jia também foram embora. \r\n
      53- Aguapé criou pé, deu no pé e agora? \r\n
      54- Só rosas de plásticos tristonhas num jarro,\r\n
      55- Fumaça de lixo, descarga de carro, \r\n
      56- Suor de esgoto pra gente cheirar,\r\n
      57- Telefone gritando pra gente pagar,\r\n
      58- Um louco na rua rasgando uma moto,\r\n
      59- Um besta na porta pedindo meu voto\r\n
      60- E outro lá fora querendo comprar.\r\n
      61- Um carro de som fanhoso bodeja: \r\n
      62- Tem água de coco, tem caldo de cana, \r\n
      63- Cocada de leite, gelé de banana, \r\n
      64- Remédio pra caspa tem copo, bandeja. \r\n
      65- E uns quatro vizinhos brincando de igreja \r\n
      66- Vão pra calçada depois do jantar. \r\n
      67- O mais exaltado começa a gritar: \r\n
      68- Jesus é fiel, castiga mais ama! \r\n
      69- E eu sem dormir rolando na cama \r\n
      70- E o homem insistindo: - Eu vou lhe salvar \r\n
      \r\n
      71- E pegue zoada por trás do quintal, \r\n
      72- Salada paul, pomada paçoca, \r\n
      73- Pamonha, canjica bejú, tapioca, \r\n
      74- A do Zé tem mais coco, a do Pepe é legal!\r\n
      75- Dez bola, dez bola, só custa um real! \r\n
      76- Mas traga a vasilha pra não derramar! \r\n
      77- Aproveite! Aproveite! Que vai se acabar! \r\n
      78- E alguém grita: gol! Minha casa estremece\r\n
      79- E eu digo baixinho: meu Deus se eu pudesse\r\n
      80- Armar minha rede no fundo do mar! \r\n
      \r\n
       \r\n
      \r\n
      O cordel Um Bairro chamado Lagoa do Mato, se divide em dois momentos. O primeiro, que vai do verso 1 até o verso 40, é permeado pela memória em que o poeta busca na infância momentos de alegria. Para tanto, ele tenta reconstruir esse passado por meio do cenário bucólico e harmonioso entre o homem e a natureza que era característico desse bairro antes de ser sufocado pelo crescimento da cidade. \r\n
      No segundo momento, que inicia no verso 41 e se estende até o final do folheto, o poeta apresenta o mesmo espaço da infância, porém, modificado pela industrialização e agitação da cidade grande. Essas duas realidades, portanto, são posta em confrontos. Na primeira parte, o poeta realça os sons da natureza (canto dos animais e do vento), formando um espaço harmonioso, enquanto no segundo, ocorre uma mudança dos sons, sendo este permeado pelos ruídos sonoros da cidade (telefone gritando, moto, carro de som, etc.). Para isso, o poeta reconstrói os fragmentos da história por meio das imagens, levando o leitor a refletir sobre essas duas realidades. \r\n
      Lendo o título notamos que o bairro é um sujeito indefinido “Um Bairro”, e não “O Bairro”, o que faz com que esse ambiente não seja desconhecido para o leitor, pois ele pode ser visto como o bairro de quem está lendo e não apenas o do poeta. Para recriar o tempo da infância, nas primeiras estrofes o poeta vivencia a natureza evocando o vento, a lua, a praia e os animais característicos do sertão como, a jia, o sapo, o preá, a cobra e o carão, criando assim, um cenário bucólico. \r\n
      No entanto, esses elementos e animais não são posto tais como são na realidade. Eles são recriados pela imaginação poética, ganhando vozes e personificações que levam o leitor a se transportar para outro mundo, o mundo da fantasia e da imaginação. Como podemos observar nos versos 5, 8 e 9, o poeta personifica o advérbio tarde, as palavras lua, sol, e a máquina do trem, dando vida e voz a esses elementos: “A tarde chamava o vento que vinha/O sol se deitava, a lua saía/O trem apitava, a máquina gemia”. Ao perceber essas imagens, o poema vai criando movimentos que fazem com que o leitor crie um tempo para sua leitura, seguindo a descida do sol, o nascer da lua e o movimento do trem. \r\n
      Na primeira parte do cordel, como já foi mencionado anteriormente, é um espaço permeado por elementos naturais. Apesar de ser um bairro, ainda não se tem o avanço industrial da cidade Para tanto, o poeta cria um cenário que aproxima do espaço rural. No entanto, os elementos que o compõe transgridem a realidade e são personificados, como podemos observar nos versos 15 e 16: “Aguapés se deitava depois se abria/Jogando seu cheiro nos braços do ar”. Dessa forma, o poeta, a partir das imagens, recria a alegria vivida na infância, pois as personificações fazem parte do imaginário infantil, ao mesmo tempo em que se misturam homem e natureza.\r\n
      Se antes tínhamos um cenário bucólico, no segundo momento, encontramos um ambiente urbano cheio de objetos mecânicos que perturbam o sossego do homem. Tais objetos são representados pelo telefone, a moto e o carro, entre outros elementos. Ao invés de animais e natureza, temos máquinas, poluição, pessoas e sons mecânicos. A lagoa onde se passa a narrativa poética, agora foi engolida pelo tempo - “A boca do tempo comeu a lagoa” (verso 43).  As imagens que antes faziam o leitor se transportar para o passado, agora estão enterradas, mudas ou foram embora, como podemos ver nos versos 42, 51, 52 e 53: “Calou-se o carão que cantava na croa/ Perdeu-se a traíra debaixo do barro/O sapo e a jia também foram embora/Aguapé criou pé, deu no pé e agora?”. \r\n
      \t Analisando o verso 42, “Calou-se o carão que cantava na croa”, as repetições da consoante (c) recriam o canto do carão ecoando na memória do poeta.  O verso 53, “Aguapé criou pé, deu no pé e agora?” traz uma aliteração na repetição do (p), que ao fazermos a leitura, cria-se a sensação de um trava língua, que além de deixar a leitura divertida, a imagem criada da planta faz com que o leitor se sensibilize, pois ao observar a primeira parte do cordel, a personificação dada ao aguapé, “aguapé se deitava e depois se abria/jogando seu cheiro nos braços do ar”, desenhava um cenário harmonioso. Agora, essa personificação passa por um processo de metamorfose criando pé e fugindo do espaço conturbado da cidade. Neste sentido, podemos associar este aguapé, não só com a planta, mas com o próprio homem que perdeu a tranquilidade vivida no campo e foi sufocado pela vida urbana, mecânica e artificial.   \r\n
      A repetição da palavra pé “aguapé criou pé deu no pé”, cria uma musicalidade no verso. Porém, essa musicalidade é interrompida no final do verso com a pergunta: “E agora?”. Neste pequeno intervalo, o poeta leva o leitor a se perguntar e pensar para onde foi todo aquele cenário representado no primeiro momento que corresponde à infância e a harmonia entre o homem/natureza. Logo em seguida, o poeta traz elementos artificiais que substituíram os naturais: “Só rosas de plásticos tristonhas num jarro/Fumaça de lixo, descarga de carro” (versos 54,55). Notemos que o som emitido pelo uso do (rr) recorrente nos dois versos, pode está dando efeito de arranhado, pois o cenário natural que se tinha no primeiro momento, agora está arranhado e substituído pelas coisas artificiais e mecânica da industrialização. \r\n
      Nesse cenário, são apresentados vários elementos do cotidiano que proporcionam o leitor a criar a imagem da cidade. Como por exemplo, os vendedores de rua: “Um carro de som fanhoso bodeja:/Tem água de coco, tem caldo de cana/Cocada de leite, gelé de banana/Remédio pra caspa tem copo, bandeja” (61-64). Esse ambiente segue até o final do cordel, que é pausado por dois pontos “E eu digo baixinho:”. Em seguida, o poeta roga a Deus dizendo: “meu Deus se eu pudesse/Armar minha rede no fundo do mar! Nesse final, percebemos que ao reconstruir o passado por meio da memória, o poeta sabe que não tem como voltar ao espaço tranquilo da infância, e utopicamente, ele deseja armar sua rede no fundo do mar, um lugar que possivelmente poderia se distanciar da poluição sonora  das cidades, permitindo assim, uma reaproximação com a natureza.\r\n
      \r\n
      4 Leitura de cordel na sala de aula \r\n
      \r\n
      Pensar no ensino de literatura na sala de aula é pensar em todo um sistema, uma vez que existem várias barreiras que dificultam o convívio com essa literatura no âmbito escolar. Talvez, uma das principais causas, seja a falta de conhecimento de leitura de textos teóricos ou mesmo de textos literários por parte dos docentes. Refletindo sobre essa problemática, alguns pesquisadores da área, como Pinheiro (2012), assinalam que o ensino de literatura nas escolas públicas brasileiras, principalmente no ensino médio, geralmente se apoia em um modelo tradicional, se prendendo a metodologias que não viabilizam uma vivência significativa com os textos literários. Na maioria dos casos, esses profissionais ficam dependentes ao ensino historiográfico do livro didático.\r\n
      Quanto à poesia, ela é a menos explorada e, muitas vezes, é lembrada apenas com enfoque gramatical, deixando de lado sua função e sentido. Para pinheiro (2007), esse gênero provavelmente é o menos prestigiado no que diz respeito ao fazer pedagógico, pois se olharmos desde as manifestações infantojuvenil, não se tem muitos trabalhos efetivos com esse gênero no âmbito da sala de aula.   \r\n
      No tocante ao cordel, percebe-se que raramente esse gênero é trabalhado no âmbito escolar, e quando se trabalha, atentam-se para questões regionalistas e folclóricas, esquecendo o valor estético. De acordo com Pinheiro (2012),\r\n
      \r\n
      A literatura popular, em suas diferentes formas e manifestações, está secularmente ausente da prática de leitura empreendida pela escola. Consulte- se hoje os livros didáticos e praticamente não encontramos nada. Uma vertente desta literatura, a denominada mais recentemente de literatura de cordel, comparece ora aqui ora ali mais como folclore do que como uma literatura que expressa vivências humanas de determinados grupos sociais (MARINHO & PINHEIRO, 2012, p.103-104).\r\n
      \r\n
      Assim como qualquer outro gênero literário, uma metodologia com o cordel para a sala de aula precisa antes de tudo, que o professor tenha o conhecimento sobre esse gênero, como também, ser um leitor de cordel.  Para Pinheiro (2008), a formação do professor deve conter conhecimentos, tanto de leitura teóricas sobre a literatura de cordel, como também um maior conhecimento possível de folhetos mais antigos e novos. Partindo de sua experiência enquanto leitor de cordel, o professor terá maior facilidade para elaborar suas metodologias, além de fazer um trabalho contextualizado com os alunos.\r\n
      No trabalho de leitura com o cordel, é importante que o professor saiba quais as preferências e os gostos de leitura dos alunos, conhecendo suas experiências com a cultura popular, seja ela lida, ouvida ou mesmo sua presença no ambiente familiar. Nessa sondagem serão rememoradas as experiências da infância, como por exemplo, as cantigas de roda, adivinhações, trava-línguas, quadras, etc. Deve-se também, atentar a forma de como será feita a leitura. Para Marinho e Pinheiro, “a primeira e fundamental atividade deve ser a de ler em voz alta. E se possível, realizar mais de uma leitura. Esta repetição ajudará a perceber o ritmo e encontrar os diferentes andamentos que o folheto possa comportar e trabalhar as entonações de modo adequado.” (MARINHO e PINHEIRO, 2012, p.129).\r\n
      \tApós essa leitura oral, o professor pode pensar em várias outras estratégias. Ainda tomando como referência, Marinho e Pinheiro (20012), no livro O cordel no cotidiano escolar, os autores trazem várias outras sugestões para se trabalhar a leitura do cordel, como por exemplo, leituras expressivas, recitações e jogos e a leitura das imagens estampadas nas capas dos folhetos. Com isso, o professor tornará a aula mais dinâmica e prazerosa. \r\n
      Partindo desses pressupostos, acreditamos que metodologias voltadas para leituras de poesia no âmbito da sala de aula, devem ser elaboradas de forma que proporcione ao aluno/leitor uma interação com o texto. De acordo com as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (OCEM 2006), a fruição estética é possibilitada quando o leitor constrói sentidos para o texto lido.  Para tanto, é preciso que essas metodologias compreendam uma leitura compartilhada de textos que atendam as expectativas desse aluno/leitor. Para Colomer, \r\n
      \r\n
      Compartilhar as obras com outras pessoas é importante porque torna possível beneficiar-se da competência dos outros para construir o sentido e obter o prazer de entender mais e melhor os livros. Também porque permite experimentar a literatura em sua dimensão socializadora, fazendo com que a pessoa se sinta parte de uma comunidade de leitores com referência e cumplicidades mútuas. (COLOMER 2007, p.143) \r\n
      \r\n
      Compartilhar a leitura significa trocar experiências. Para que isso seja possível, o professor precisa adotar novas estratégias de leitura que se desprendam do método tradicional em que o aluno é apenas receptor do conhecimento alheio. Ao manter esse diálogo, as pessoas envolvidas nesse processo serão beneficiadas.\r\n
       \r\n
      4.1 Preenchendo os espaços do Bairro\r\n
      \r\n
      No processo de leitura literária em sala de aula, antes de tudo, é preciso pensar em algumas estratégias metodológicas que possibilitem ao aluno/leitor uma interação com o texto. A esse respeito, Cosson (2006, p.54) fala sobre a motivação. Para o autor, o núcleo da motivação “consiste exatamente em preparar o aluno para entrar no texto”. Partindo dessa concepção, nossa experiência buscou metodologias que criassem uma expectativa no leitor com relação aos folhetos lidos.\r\n
      Na primeira leitura, referente ao cordel Um Bairro chamado Lagoa do Mato, como forma de motivar os alunos, apresentamos duas fotografias da cidade onde foi desenvolvida nossa intervenção. As imagens retratavam a cidade nos anos de 1950, quando ainda tinha características de um espaço rural e a outra retratava a atualidade, ambiente em que predominam edificações e máquinas. Como podemos observar abaixo:\r\n
      \r\n
      São João do Sabugi – 1950                                   Cidade São João do Sabugi – Atual\r\n
               \r\n
      Fonte - Anchieta França. Disponível em: HTTP://www. anchietafotofranca.blogspot.com\r\n
      \r\n
      Tomamos como base para a escolha dessas fotos a narrativa apresentada no folheto, em que aparecem dois momentos distintos (passado/bucólico e presente/mecânico). Após a exposição dessas fotografias, pedimos aos alunos para que fizessem uma leituras, comparando como era a cidade antes e como era agora. Para isso, solicitamos que eles apresentassem elementos que compunham o espaço antigo e o atual. Para o espaço antigo, os alunos destacaram os seguintes elementos:\r\n
      \r\n
      Aluna 1 No espaço antigo tinha vaca.\r\n
      Aluno 2: Galinha.\r\n
      Aluno 3: Coruja. \r\n
      Aluno 4: Vaquejada.\r\n
      \r\n
      A descrição foi de um ambiente rural, característica de uma cidade do interior nos anos de 1950. Como estávamos fazendo uma leitura comparada das fotos, sugerimos que, a partir dos cenários, pensassem nos aspectos visuais e em possíveis sons que ocorriam na época em que as fotos foram tiradas. No que diz respeito à primeira, todos foram unânimes e responderam: “Sons de animais”.\r\n
      Por conseguinte, pedimos para que os alunos comentassem sobre a foto da atualidade - o que podíamos identificar nela que não tinha na outra? Respondendo a isso, eles afirmaram que encontraríamos:\r\n
      \r\n
      Aluno 3: Som de carros.\r\n
      Aluna 5: Pessoas conversando.\r\n
      Aluna 1: Moto fazendo barulho.\r\n
      \r\n
      Analisando as descrições dos alunos com relação às fotos, vimos que foram significativas para que pudéssemos iniciar a leitura do folheto, pois as observações feitas por eles foram ao encontro dos elementos identificados no poema. O Aluno 1 ao realizar a leitura da foto da atualidade, destacou uma “moto fazendo barulho”, percepção que faz relação a uma das imagens que o poeta traz no cordel, “Um louco na rua rasgando uma moto”. Portanto, as respostas dadas pela turma foram bem intuídas, já que os alunos trouxeram algo ligado ao horizonte de conhecimento deles, percebendo os principais sons de uma cidade.\r\n
      Após essa motivação iniciamos nossas leituras. Primeiramente, pedimos para que eles lessem em silêncio. Em seguida, foram feitas leituras orais por mais de um aluno. Terminada a leitura feita pelos alunos, fizemos uma performance do cordel. Logo em seguida, chamamos a atenção dos alunos para a leitura, mostrando alguns pontos importantes como a pontuação e a entonação. Diante disso, pedimos mais uma vez que eles realizassem uma leitura oral, mais dessa vez, respeitando esses elementos, de forma que ficasse expressiva.\r\n
      Terminado esse momento, organizamos uma espécie de debate. Para tanto, lançamos algumas perguntas: Vocês gostaram do cordel? Existe alguma relação com as imagens apresentadas no início da aula? Qual é essa relação? Do que vocês gostaram? Tem alguma passagem, verso ou estrofe que vocês poderiam destacar?\r\n
      De início, as respostas foram breves, o que já esperávamos, uma vez que eles não estavam acostumados a debater a leitura de poesia em sala de aula. Assim, a maioria deles respondeu que “o cordel era muito bonito”, uma frase que sempre ouvíamos em conversas informais com os alunos quando falávamos a respeito de algum texto literário lido por eles. Seguindo com o debate, retomamos alguns aspectos que eles tinham identificado nas fotografias e perguntamos o que eles poderiam relacionar com o cordel. Diante disso, a Aluna 6 iniciou dizendo: “Ah, ele fala primeiro do bairro, dos animais. Depois ele fala da cidade e dos carros”. \r\n
      Então, questionamos: Mas como estão representados os cenários nesses dois momentos do bairro? O Aluno 3, respondeu que antes do bairro se tornar agitado, “tinha animais que cantavam como o galo, além de outras coisas, como a lua e o vento”. Com esses questionamentos, os alunos foram construindo aos poucos o sentido para o poema através de nossa mediação, cujo objetivo foi mostrar como o poeta representava a crítica social a partir da linguagem poética. \r\n
      De acordo com suas respostas, chamamos a atenção para o aspecto que fosse relevante nas suas falas. No caso do Aluno 3, que tocou em alguns elementos como o vento, perguntamos: “Mas como é esse vento?”. Ele respondeu que “era um vento da praia”. Indagamos como era que esse vento era representado no segundo momento do cordel: Como era esse vento antes? E como é agora? Vocês acham que mudou alguma coisa em relação ao primeiro momento do poema? \r\n
      Com esses apontamentos, os alunos destacaram os versos: “O vento que sopra agora é mais quente/E sem energia não sabe soprar” e falaram que antes o vento deveria ser agradável, pois o ambiente era rural o clima era melhor. Agora, era quente e só ventava com a “ajuda de um ventilador”. Notamos, portanto, que com o debate, os alunos foram criando suas próprias interpretações e dando sentido para o texto. Nesse caso, se revisitássemos a teoria dos vazios formulada por Iser (1979), diríamos que esses alunos preencheram os espaços vazios deixados no poema. Sem que precisássemos dar-lhes uma interpretação, eles construíram sentidos. No verso “O vento que sopra agora é mais quente”, os alunos entenderam que havia uma analogia com o vento produzido a partir da tecnologia do ventilador.\r\n
      Destacamos, então, a importância da leitura compartilhada defendida por Colomer (2007), pois ao discutir com os alunos o texto por meio de perguntas, indagações, foi possível dar uma interpretação para o poema, coletivamente.  Se antes os alunos eram tímidos, com respostas curtas, no debate, eles acabaram falando mais e fundamentando suas falas em suas experiências de vida. Trazendo as contribuições de Marinho e Pinheiro (2012), essa forma de debater torna-se interessante na medida em que não precisamos necessariamente dizer aos alunos que se trata de um debate.\r\n
      Prosseguindo as discussões em torno da leitura do cordel, adotamos uma nova estratégia, ao invés de perguntas, dividimos a turma em grupos. Entregamos algumas folhas para que eles desenhassem  as cenas que mais lhe chamaram a atenção na leitura do folheto. Abaixo seguem alguns exemplos:\r\n
      \r\n
      Figura 2 – Carro de som -  Ilustração produzida pelos alunos para o folheto Um Bairro chamado Lagoa do Mato\r\n
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                 Fonte – Acervo do pesquisador. MEDEIROS (2014)\r\n
      \r\n
      Nesse primeiro desenho feito pelos alunos , temos a representação do seguinte verso “Um carro de som fanhoso bodeja”, em que o poema apresenta uma cena comum das cidades, onde encontramos vendedores ambulantes fazendo propagandas do produto vendido - “Tem água de coco, tem caldo de cana/cocada de leite, gelé de banana”. Além da relação com o cotidiano, outro fator que pode ter chamado a atenção dos alunos para essa imagem poética, foi a forma como o poeta brinca com a linguagem, pois, além de trazer um tom de crítica social, o poema é revestido pela ludicidade. Vemos que o carro de som adquire uma certa animação, uma vez que o seu som é comparado ao som onomatopaico do bode – “bodeja”. \r\n
      \r\n
      Figura 3 – Ilustração de São João do Sabugi\r\n
        \r\n
      Fonte- Acervo do pesquisador. MEDEIROS (2014)\r\n
      \r\n
      Nessa figura dois, feita pelos alunos CN, AF, DM3 e YM, existe a representação de várias passagens do cordel. Primeiramente, destacamos os cenários dos dois momentos da narrativa. Na parte de cima, o desenho se configura com aspectos rurais, enquanto a parte de baixo se caracteriza como sendo a cidade. Interessante observar que os alunos associaram a história do cordel com a cidade deles. À esquerda temos a Serra do Mulungu, símbolo admirado pelos moradores de São João do Sabugi/RN, ao centro, a Igreja de São João Batista, o padroeiro da cidade e ao lado um curral, aspectos esses que também foram retratados na fotografia apresentada durante a motivação da leitura. \r\n
      Chamamos a atenção para alguns detalhes do desenho dos alunos que fazem referência à leitura do folheto. Vemos que há algumas pessoas na calçada e outras se dirigindo à igreja, imagens  que podemos associar às seguintes passagens do poema: “E uns quatro vizinhos brincando de igreja/Vão pra calçada depois do jantar”. Na parte inferior da imagem, o Aluno DM3 sinalizou a casa do canto direito como sendo a sua residência. Portanto, vemos que no desenho os alunos relacionaram a narrativa com suas vivências cotidianas.\r\n
      Nas outras produções dos grupos (11 desenhos), são representados os dois ambientes representados no cordel. Sempre trazendo a imagem da “Lagoa do Mato”, dos animais que fazem parte do cenário e vários outros elementos da natureza. \r\n
      \r\n
      Figura 4 – Ilustração de passagens do cordel Um Bairro chamado Lagoa do Mato\r\n
        \r\n
      Fonte – Acervo do pesquisador. MEDEIROS (2014)\r\n
      \r\n
      Até o momento, o que não tinha sido expresso oralmente pelos alunos foi exposto nos desenhos. Quando perguntamos quais as passagens da narrativa do cordel que eles mais gostaram, não colhemos muitas impressões. Já na figura acima, observamos que são muitos detalhes que podemos relacionar com as passagens do folheto. Primeiramente, destacamos dois elementos naturais: o sol e a lua, que possivelmente foram imagens que chamaram a atenção dos alunos – “O sol se deitava a lua saía”. Ainda com relação à natureza, temos a figura de um menino, que no caso seria a representação da vida simples e barata do campo, em que o poeta idealiza: “O peixe pulava a água espanava/ A gente pegava uma ponta de linha/Amarrava um anzol numa vara que tinha/E ia pra onde o peixe pulava”.\r\n
      Notamos então que o desenho traz toda uma representação do cenário bucólico da história. No entanto, chamamos a atenção para a casa que tem ao lado esquerdo do desenho. Analisando os detalhes, notamos que pela janela da casa é possível observar um jarro de flores. Quando comparamos o desenho com a leitura do poema, temos uma cena que consideramos, talvez, a mais forte, se pensarmos na transformação do bucólico para o artificial.\r\n
      De todos os elementos trazidos na história, as rosas são as mais delicadas, uma vez que são admiradas pela sua beleza e perfume. Na passagem do ambiente rural para o da cidade, essa delicadeza é transformada, passa do natural para o artificial, “Só rosas de plásticos tristonhas num jarro”. Vimos então, que essa metamorfose foi uma das imagens que chamou a atenção desses alunos, como foi evidenciado no desenho.\r\n
      Essa atividade foi significativa para colhermos as impressões dos alunos a respeito da leitura, pois muitos deles ficaram calados no momento do debate. O aluno AN, por exemplo, não interagia nas discussões, e com essa estratégia, ele foi o primeiro do grupo a se interessar. Além disso, os desenhos serviram de ponte para que os alunos percebessem as imagens poéticas trazidas no poema para representar o social.\r\n
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      5 Conclusões \r\n
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      As tradições advindas da oralidade fazem parte do cotidiano de muitos dos nordestinos. As primeiras vivências com essa arte se fazem a partir do berço quando ouvimos canções de ninar, brincamos com cantigas de roda, jogos, adivinhas, entre outras manifestações. E quando crescemos em um ambiente onde vivenciamos o popular, ouvimos Histórias de Trancoso, Causos, Cocos, Repentes de viola, cordéis e muitas outras vivências que compreendem esse universo popular. Dessa forma, a cultura popular é passada de geração para geração e se constitui como parte de nossa identidade.\r\n
      Mesmo servindo como base de nossas experiências, as culturas populares parecem se perder na passagem da infância para a vida adulta, pois são esquecidas pela cultura de massa e se tornam para alguns, uma cultura sem valores literários. Com isso, o cordel, fruto das tradições orais, ainda é tido como uma literatura menor. É por esse e outros motivos, que temos a preocupação de fazer com que o cordel chegue até a sala de aula, pois precisamos manter viva essa tradição que se constitui como uma verdadeira obra de arte e que junto com a literatura canônica compõe importante espaço na formação de leitores. \r\n
      Com tudo, acreditamos que o trabalho com cordel na sala de aula ainda é um desafio, visto que existem inúmeros obstáculos como, o preconceito e a forma de como ela é explorada.  Nesse trabalho, serve como sugestão para quem deseja levar o cordel para a sala de aula. Como vimos, podemos utilizar diversas abordagens metodológicas na leitura do folheto. Essa literatura pode ser trabalhada em consonância com outras artes. No caso do desenho, utilizamos como forma de colher as impressões dos alunos a respeito das imagens construídas ao longo da narrativa poética. Dessa maneira, acreditamos que a estratégia adota foi significativa, uma vez que os alunos conseguiram, a partir do desenho,  expor o que entenderam do texto. \r\n
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      Referências \r\n
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      SOBRINHO, José Alves. Cantadores, Repentistas e poetas Populares. Campina Grande: Bagagem, 2003.
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Publicado em 20 de agosto de 2014

Resumo

O texto literário estabelece relações com várias outras manifestações artísticas, como a pintura, a dança, a música, o teatro, etc. No caso do cordel, podemos fazer essa relação com a própria xilogravura estampada na capa. No contexto da sala de aula podemos utilizar estratégias metodológicas de leitura literária a partir desse contato que a literatura mantém com outras artes. Nosso trabalho tem como objetivo apresentar um recorte da experiência de leitura de cordel na sala de aula durante a pesquisa de mestrado realizada entre 2012 e 2014, com alunos do primeiro ano do ensino médio. Para tanto, analisaremos como os alunos recepcionaram a leitura do cordel Um Bairro Chamado Lagoa do Mato, do poeta popular Antonio Francisco, a partir de ilustrações. Nosso estudo tem como base teórica Colomer (2007), sobre a leitura compartilhada e Marinho & Pinheiro (2012), quando nos referimos a questões sobre a literatura de cordel e o ensino. DESENHANDO O “BAIRRO”: LEITURA DE CORDEL NA SALA DE AULA Hadoock Ezequiel Araújo de MEDEIROS Universidade Federal do Rio Grande do Norte 1 Introdução A poesia nos proporciona experiências que ampliam nosso horizonte e nos torna mais sensibilizados. Como afirma Candido (1972), ela tem uma função humanizadora. Logo, essa forma de arte passa a ser um direito de todos. No entanto, muitas vezes a vivência com a leitura poética não nos é concedida. Pensando nisso, acreditamos que um bom caminho para que as pessoas tenham uma vivência com a poesia é o ambiente escolar. Porém, na maioria dos casos é esquecido o seu valor estético, sendo trabalhada apenas como ferramenta de ensino. No tocante a literatura de cordel, dificilmente ela é lida em sala de aula, sendo, na maioria das vezes, objeto de estudo sobre aspectos históricos ou folclóricos. Porém, devemos lembrar que o cordel é um gênero que possui uma diversidade de elementos que podem ser explorados, como rimas, sons, imagens, musicalidades e temas variados, possibilitando ao professor elaborar metodologias que atendam as expectativas do aluno/leitor. No universo dessa literatura, destacamos o cordelista Antonio Francisco, natural de Mossoró-RN, que traz em seus cordéis um caráter de crítica social, permeado por imagens e personificações que nos faz refletir sobre as atitudes do homem contemporâneo. Compreendendo esses aspectos literários presentes na sua poesia, acreditamos que seus cordéis devem ser levados para a sala de aula. Nosso trabalho tem como objetivo apresentar um recorte da experiência de leitura de cordel na sala de aula durante a pesquisa de mestrado, desenvolvida entre 2012 e 2014 no Mestrado em Linguagem e Ensino – UFCG/PB. A leitura de folhetos foi realizada com alunos do primeiro ano do ensino médio de uma escola pública da cidade de São João do Sabugi/RN. Para tanto, analisaremos como os alunos recepcionaram a leitura do cordel Um Bairro Chamado Lagoa do Mato, do poeta popular Antonio Francisco, a partir de ilustrações. Nosso estudo tem como base teórica Colomer (2007), sobre a leitura compartilhada e Marinho & Pinheiro (2012), quando nos referimos a questões sobre a literatura de cordel e o ensino. 2 Vivências de poesia na sala de aula A relação do homem com a poesia é algo que ocorre logo na infância, seja através de cantigas, brincadeiras de rodas, trava-línguas entre outras manifestações. Ao passar dos anos, essas vivências acabam se perdendo e, então, esquecemos nossa relação com a poesia. Nesse sentido, acreditamos ser a escola um lugar onde possamos dar continuidade a essas experiências. Alguns pesquisadores como Pinheiro (2007) mostram que o trabalho com a poesia na escola não é significativo, quando comparado com outros textos. Para o autor, de todos os gêneros literários, é o gênero mais “ausente”. Quando essa poesia advém do meio “popular”, notamos um problema ainda maior, uma vez que se tem uma visão de que a cultura popular não faz parte de nossa literatura nacional, criando-se assim um certo preconceito. Se formos analisar melhor, notamos que algumas problemáticas estão presentes desde o ensino fundamental. Professores e os orientadores de leitura, normalmente, não priorizam este gênero, e quando o contemplam, desconhecem metodologias adequadas. Além do mais, muitos dos profissionais não têm o hábito de leitura de poesia. Tratando-se do contexto do ensino médio, percebemos que pouca coisa muda quando comparamos ao ensino fundamental. Dificilmente se tem um trabalho que proporcione aos alunos uma vivência significativa com a poesia. Durante a educação básica, ela é sublinhada pelo caráter utilitarista, tendo como objetivo, leituras que visam ilustrar um determinado tema. Muitas vezes, ao invés de se fazer a leitura, os alunos são obrigados a produzirem poemas. Assim, eles acabam criando um conceito de que poesia é apenas um texto rimado e, quando se fala em trabalhá-la em sala de aula, eles demonstram uma certa insatisfação. Acreditamos que o fazer da escola não é formar escritores de poesia, mas sim de “apreciar o texto literário, sensibilizar-se para a comunicação através do poético e usufruir da poesia como uma forma de comunicação com o mundo” (AVERBUCK, 1988, p. 67). A maneira de trabalhar a poesia na escola precisa ser melhor pensada. Para isso, devemos lançar mão de sua função, proporcionando uma relação significava entre leitor e obra, acentuando assim, a sensibilidade. Uma metodologia voltada para a leitura de poesia deve haver uma sensibilização do aluno/leitor e isso pode ser conseguido quando o profissional acerta o tom da leitura. O envolvimento, a discussão da temática e a relação dessa com a linguagem trazida na constituição do poema podem favorecer uma ampliação reflexiva do horizonte de expectativa do leitor. Colomer (2007, p.45. Grifos da autora), destaca que “a função do ensino literário na escola pode definir-se também como a ação de ensinar o que fazer entender um corpus de obras cada vez mais amplo e complexo”. Para que isso seja possível, é necessário que a aula de literatura se torne um espaço do diálogo, de forma que as percepções dos alunos/leitores possam ser compartilhadas. A poesia nas suas várias representações e composições precisa ser vivida pelos alunos. A leitura compartilhada da poesia pode ser um dos métodos utilizados pelo professor, visto que as várias interpretações feitas pelos alunos ajudam a entender melhor o texto. Algo que até então não tinha sido percebido pode ser evidenciado na interpretação do outro. Para Colomer, compartilhar as obras com as pessoas, além de ser prazeroso, se entende “mais e melhor os livros”, também faz com que o sujeito se sinta parte de uma “comunidade de leitores com referências e cumplicidades mútuas” (COLOMER, 2007, p. 143). Se quisermos sensibilizar nossos alunos, antes de tudo, precisamos respeitar seus interesses e as suas preferências de leitura. Elas podem ser uma porta de entrada para o trabalho com a poesia e com o texto literário no geral. No entanto, como afirma Pinheiro (2007), essas condições não são realizadas da noite para o dia, é preciso uma sistematização do trabalho e esse precisa ser “constantemente avaliado”. 3 Antonio Francisco e o viés do social Antonio Francisco Teixeira de Melo nasceu em 1949 na cidade de Mossoró – RN. Filho de Chico de Perto e Pedrinha, criado por Tica de Perto e seu Perto “Num bairro pequeno afastado e deserto/Numa pequena e humilde casinha/ Lá perto de uma lagoa que tinha” (Antonio Francisco, 2011). Formado em História pela UERN, o poeta também experimentou várias profissões, como sapateiro e mecânico de bicicleta. Apaixonado pela vida, gasta parte de seu tempo andando de bicicleta pelas cidades do Rio Grande do Norte, colhendo amizade e plantando esperança, como ele próprio afirma. Sua poesia se inscreve pela reflexão em torno da sociedade e das atitudes do homem contemporâneo. Imortalizado pela Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), ocupa a cadeira 15, a qual pertencia ao poeta cearense Patativa do Assaré. Antonio Francisco vem se destacando como um dos nomes mais importantes da Literatura de Cordel brasileira da contemporaneidade. Sua carreira literária de poeta iniciou-se aos 46 anos, escrevendo então sua primeira poesia Meu Sonho. Sua obra é composta por uma produção de vários folhetos, que juntos resultam nos livros: Dez cordéis num cordel só (2001), Por motivos de Versos (2005), Veredas de Sombras (2007), Sete contos de Maria (2009), todos republicados na coleção completa Minha obra é um cordel, junto com a obra inédita O olho torto do rei, em 2011. Além de dois CDs: Os animais têm razão e Entre cordas e cordéis, nos quais contêm poesias recitadas e musicadas. Mais do que crítica social, seus cordéis pintam com poesia os cenários da região nordestina, apreciando a fauna e flora da caatinga, fazendo com que o leitor se sensibilize nesse contato com a natureza. Além disso, seus cordéis trazem uma retomada dos contos de fadas que de certa forma estão ligados a reflexão em torno da sociedade e do homem da atualidade sempre envolvidos em competições desenfreadas do mundo capitalista. 3.1 Um Bairro Chamado Lagoa do Mato: da infância ao presente Dentre os cordéis do poeta Antonio Francisco, destacamos o cordel Um bairro chamado Lagoa do mato, presente no livro Por motivo de versos (2005), mas que também pode ser encontrado na versão de folheto o qual utilizaremos na análise desse artigo. Eis o cordel transcrito abaixo para a leitura: Um Bairro Chamado Lagoa do Mato 1- Nasci numa casa de frente pra linha, 2- Num bairro chamado Lagoa do Mato. 3- Cresci vendo a garça a marreca e o pato, 4- Brincando por trás da nossa cozinha. 5- A tarde chamava o vento que vinha 6- Das bandas da praia pra nos abanar. 7- Titia gritava está pronto o jantar! 8- O sol se deitava, a lua saía, 9- O trem apitava, a máquina gemia, 10- Soltando faísca de fogo no ar. 11- O galo cantava, peru respondia, 12- Carão dava um grito quebrando aruá. 13- A cobra piava caçando preá, 14- Cantava em dueto o sapo e a jia, 15- Aguapé se deitava depois se abria, 16- Jogando seu cheiro nos braços do ar 17- O vento trazia pro nosso pomar, 18- Vovô se sentava no meio da gente 19- Contando histórias de cabra valente 20- Ouvindo lá fora o vento cantar. 21- A lua entrava na casa da gente, 22- Batia com força nas quatro paredes. 23- Seus cacos caíam debaixo das redes 24- Pintando na sala um céu diferente. 25- Quando ela saía chegava o sol quente 26- E com ele Zequinha pra gente brincar 27- Comer melancia, depois se banhar 28- Nas águas barrentas daquela lagoa. 29- A vida era simples, barata tão boa, 30- Que a gente nem via o tempo passar. 31- O peixe pulava, a água espanava, 32- A gente pegava uma ponta de linha, 33- Amarrava um anzol numa vara que tinha 34- E ia pra onde o peixe pulava. 35- Num quarto de hora a gente voltava, 36- Já tinha traíra pra gente almoçar, 37- Piaba, manteiga pra gente fritar, 38- Titia fritava a gente comia. 39- Faltava dinheiro sobrava alegria 40- Naquele pequeno pedaço de lar. 41- Mas hoje o meu bairro está diferente. 42- Calou-se o carão que cantava na croa, 43- A boca do tempo comeu a lagoa 44- E com ela se foi o sossego da gente. 45- O vento que sopra agora é mais quente 46- E sem energia não sabe soprar. 47- A máquina do trem deixou de passar, 48- Ninguém olha mais pros raios da Lua 49- Que vive escondida no meio da rua 50 Por trás dos néons sem poder brilhar. 51- Perdeu-se a traíra debaixo do barro, 52- O sapo e a jia também foram embora. 53- Aguapé criou pé, deu no pé e agora? 54- Só rosas de plásticos tristonhas num jarro, 55- Fumaça de lixo, descarga de carro, 56- Suor de esgoto pra gente cheirar, 57- Telefone gritando pra gente pagar, 58- Um louco na rua rasgando uma moto, 59- Um besta na porta pedindo meu voto 60- E outro lá fora querendo comprar. 61- Um carro de som fanhoso bodeja: 62- Tem água de coco, tem caldo de cana, 63- Cocada de leite, gelé de banana, 64- Remédio pra caspa tem copo, bandeja. 65- E uns quatro vizinhos brincando de igreja 66- Vão pra calçada depois do jantar. 67- O mais exaltado começa a gritar: 68- Jesus é fiel, castiga mais ama! 69- E eu sem dormir rolando na cama 70- E o homem insistindo: - Eu vou lhe salvar 71- E pegue zoada por trás do quintal, 72- Salada paul, pomada paçoca, 73- Pamonha, canjica bejú, tapioca, 74- A do Zé tem mais coco, a do Pepe é legal! 75- Dez bola, dez bola, só custa um real! 76- Mas traga a vasilha pra não derramar! 77- Aproveite! Aproveite! Que vai se acabar! 78- E alguém grita: gol! Minha casa estremece 79- E eu digo baixinho: meu Deus se eu pudesse 80- Armar minha rede no fundo do mar! O cordel Um Bairro chamado Lagoa do Mato, se divide em dois momentos. O primeiro, que vai do verso 1 até o verso 40, é permeado pela memória em que o poeta busca na infância momentos de alegria. Para tanto, ele tenta reconstruir esse passado por meio do cenário bucólico e harmonioso entre o homem e a natureza que era característico desse bairro antes de ser sufocado pelo crescimento da cidade. No segundo momento, que inicia no verso 41 e se estende até o final do folheto, o poeta apresenta o mesmo espaço da infância, porém, modificado pela industrialização e agitação da cidade grande. Essas duas realidades, portanto, são posta em confrontos. Na primeira parte, o poeta realça os sons da natureza (canto dos animais e do vento), formando um espaço harmonioso, enquanto no segundo, ocorre uma mudança dos sons, sendo este permeado pelos ruídos sonoros da cidade (telefone gritando, moto, carro de som, etc.). Para isso, o poeta reconstrói os fragmentos da história por meio das imagens, levando o leitor a refletir sobre essas duas realidades. Lendo o título notamos que o bairro é um sujeito indefinido “Um Bairro”, e não “O Bairro”, o que faz com que esse ambiente não seja desconhecido para o leitor, pois ele pode ser visto como o bairro de quem está lendo e não apenas o do poeta. Para recriar o tempo da infância, nas primeiras estrofes o poeta vivencia a natureza evocando o vento, a lua, a praia e os animais característicos do sertão como, a jia, o sapo, o preá, a cobra e o carão, criando assim, um cenário bucólico. No entanto, esses elementos e animais não são posto tais como são na realidade. Eles são recriados pela imaginação poética, ganhando vozes e personificações que levam o leitor a se transportar para outro mundo, o mundo da fantasia e da imaginação. Como podemos observar nos versos 5, 8 e 9, o poeta personifica o advérbio tarde, as palavras lua, sol, e a máquina do trem, dando vida e voz a esses elementos: “A tarde chamava o vento que vinha/O sol se deitava, a lua saía/O trem apitava, a máquina gemia”. Ao perceber essas imagens, o poema vai criando movimentos que fazem com que o leitor crie um tempo para sua leitura, seguindo a descida do sol, o nascer da lua e o movimento do trem. Na primeira parte do cordel, como já foi mencionado anteriormente, é um espaço permeado por elementos naturais. Apesar de ser um bairro, ainda não se tem o avanço industrial da cidade Para tanto, o poeta cria um cenário que aproxima do espaço rural. No entanto, os elementos que o compõe transgridem a realidade e são personificados, como podemos observar nos versos 15 e 16: “Aguapés se deitava depois se abria/Jogando seu cheiro nos braços do ar”. Dessa forma, o poeta, a partir das imagens, recria a alegria vivida na infância, pois as personificações fazem parte do imaginário infantil, ao mesmo tempo em que se misturam homem e natureza. Se antes tínhamos um cenário bucólico, no segundo momento, encontramos um ambiente urbano cheio de objetos mecânicos que perturbam o sossego do homem. Tais objetos são representados pelo telefone, a moto e o carro, entre outros elementos. Ao invés de animais e natureza, temos máquinas, poluição, pessoas e sons mecânicos. A lagoa onde se passa a narrativa poética, agora foi engolida pelo tempo - “A boca do tempo comeu a lagoa” (verso 43). As imagens que antes faziam o leitor se transportar para o passado, agora estão enterradas, mudas ou foram embora, como podemos ver nos versos 42, 51, 52 e 53: “Calou-se o carão que cantava na croa/ Perdeu-se a traíra debaixo do barro/O sapo e a jia também foram embora/Aguapé criou pé, deu no pé e agora?”. Analisando o verso 42, “Calou-se o carão que cantava na croa”, as repetições da consoante (c) recriam o canto do carão ecoando na memória do poeta. O verso 53, “Aguapé criou pé, deu no pé e agora?” traz uma aliteração na repetição do (p), que ao fazermos a leitura, cria-se a sensação de um trava língua, que além de deixar a leitura divertida, a imagem criada da planta faz com que o leitor se sensibilize, pois ao observar a primeira parte do cordel, a personificação dada ao aguapé, “aguapé se deitava e depois se abria/jogando seu cheiro nos braços do ar”, desenhava um cenário harmonioso. Agora, essa personificação passa por um processo de metamorfose criando pé e fugindo do espaço conturbado da cidade. Neste sentido, podemos associar este aguapé, não só com a planta, mas com o próprio homem que perdeu a tranquilidade vivida no campo e foi sufocado pela vida urbana, mecânica e artificial. A repetição da palavra pé “aguapé criou pé deu no pé”, cria uma musicalidade no verso. Porém, essa musicalidade é interrompida no final do verso com a pergunta: “E agora?”. Neste pequeno intervalo, o poeta leva o leitor a se perguntar e pensar para onde foi todo aquele cenário representado no primeiro momento que corresponde à infância e a harmonia entre o homem/natureza. Logo em seguida, o poeta traz elementos artificiais que substituíram os naturais: “Só rosas de plásticos tristonhas num jarro/Fumaça de lixo, descarga de carro” (versos 54,55). Notemos que o som emitido pelo uso do (rr) recorrente nos dois versos, pode está dando efeito de arranhado, pois o cenário natural que se tinha no primeiro momento, agora está arranhado e substituído pelas coisas artificiais e mecânica da industrialização. Nesse cenário, são apresentados vários elementos do cotidiano que proporcionam o leitor a criar a imagem da cidade. Como por exemplo, os vendedores de rua: “Um carro de som fanhoso bodeja:/Tem água de coco, tem caldo de cana/Cocada de leite, gelé de banana/Remédio pra caspa tem copo, bandeja” (61-64). Esse ambiente segue até o final do cordel, que é pausado por dois pontos “E eu digo baixinho:”. Em seguida, o poeta roga a Deus dizendo: “meu Deus se eu pudesse/Armar minha rede no fundo do mar! Nesse final, percebemos que ao reconstruir o passado por meio da memória, o poeta sabe que não tem como voltar ao espaço tranquilo da infância, e utopicamente, ele deseja armar sua rede no fundo do mar, um lugar que possivelmente poderia se distanciar da poluição sonora das cidades, permitindo assim, uma reaproximação com a natureza. 4 Leitura de cordel na sala de aula Pensar no ensino de literatura na sala de aula é pensar em todo um sistema, uma vez que existem várias barreiras que dificultam o convívio com essa literatura no âmbito escolar. Talvez, uma das principais causas, seja a falta de conhecimento de leitura de textos teóricos ou mesmo de textos literários por parte dos docentes. Refletindo sobre essa problemática, alguns pesquisadores da área, como Pinheiro (2012), assinalam que o ensino de literatura nas escolas públicas brasileiras, principalmente no ensino médio, geralmente se apoia em um modelo tradicional, se prendendo a metodologias que não viabilizam uma vivência significativa com os textos literários. Na maioria dos casos, esses profissionais ficam dependentes ao ensino historiográfico do livro didático. Quanto à poesia, ela é a menos explorada e, muitas vezes, é lembrada apenas com enfoque gramatical, deixando de lado sua função e sentido. Para pinheiro (2007), esse gênero provavelmente é o menos prestigiado no que diz respeito ao fazer pedagógico, pois se olharmos desde as manifestações infantojuvenil, não se tem muitos trabalhos efetivos com esse gênero no âmbito da sala de aula. No tocante ao cordel, percebe-se que raramente esse gênero é trabalhado no âmbito escolar, e quando se trabalha, atentam-se para questões regionalistas e folclóricas, esquecendo o valor estético. De acordo com Pinheiro (2012), A literatura popular, em suas diferentes formas e manifestações, está secularmente ausente da prática de leitura empreendida pela escola. Consulte- se hoje os livros didáticos e praticamente não encontramos nada. Uma vertente desta literatura, a denominada mais recentemente de literatura de cordel, comparece ora aqui ora ali mais como folclore do que como uma literatura que expressa vivências humanas de determinados grupos sociais (MARINHO & PINHEIRO, 2012, p.103-104). Assim como qualquer outro gênero literário, uma metodologia com o cordel para a sala de aula precisa antes de tudo, que o professor tenha o conhecimento sobre esse gênero, como também, ser um leitor de cordel. Para Pinheiro (2008), a formação do professor deve conter conhecimentos, tanto de leitura teóricas sobre a literatura de cordel, como também um maior conhecimento possível de folhetos mais antigos e novos. Partindo de sua experiência enquanto leitor de cordel, o professor terá maior facilidade para elaborar suas metodologias, além de fazer um trabalho contextualizado com os alunos. No trabalho de leitura com o cordel, é importante que o professor saiba quais as preferências e os gostos de leitura dos alunos, conhecendo suas experiências com a cultura popular, seja ela lida, ouvida ou mesmo sua presença no ambiente familiar. Nessa sondagem serão rememoradas as experiências da infância, como por exemplo, as cantigas de roda, adivinhações, trava-línguas, quadras, etc. Deve-se também, atentar a forma de como será feita a leitura. Para Marinho e Pinheiro, “a primeira e fundamental atividade deve ser a de ler em voz alta. E se possível, realizar mais de uma leitura. Esta repetição ajudará a perceber o ritmo e encontrar os diferentes andamentos que o folheto possa comportar e trabalhar as entonações de modo adequado.” (MARINHO e PINHEIRO, 2012, p.129). Após essa leitura oral, o professor pode pensar em várias outras estratégias. Ainda tomando como referência, Marinho e Pinheiro (20012), no livro O cordel no cotidiano escolar, os autores trazem várias outras sugestões para se trabalhar a leitura do cordel, como por exemplo, leituras expressivas, recitações e jogos e a leitura das imagens estampadas nas capas dos folhetos. Com isso, o professor tornará a aula mais dinâmica e prazerosa. Partindo desses pressupostos, acreditamos que metodologias voltadas para leituras de poesia no âmbito da sala de aula, devem ser elaboradas de forma que proporcione ao aluno/leitor uma interação com o texto. De acordo com as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (OCEM 2006), a fruição estética é possibilitada quando o leitor constrói sentidos para o texto lido. Para tanto, é preciso que essas metodologias compreendam uma leitura compartilhada de textos que atendam as expectativas desse aluno/leitor. Para Colomer, Compartilhar as obras com outras pessoas é importante porque torna possível beneficiar-se da competência dos outros para construir o sentido e obter o prazer de entender mais e melhor os livros. Também porque permite experimentar a literatura em sua dimensão socializadora, fazendo com que a pessoa se sinta parte de uma comunidade de leitores com referência e cumplicidades mútuas. (COLOMER 2007, p.143) Compartilhar a leitura significa trocar experiências. Para que isso seja possível, o professor precisa adotar novas estratégias de leitura que se desprendam do método tradicional em que o aluno é apenas receptor do conhecimento alheio. Ao manter esse diálogo, as pessoas envolvidas nesse processo serão beneficiadas. 4.1 Preenchendo os espaços do Bairro No processo de leitura literária em sala de aula, antes de tudo, é preciso pensar em algumas estratégias metodológicas que possibilitem ao aluno/leitor uma interação com o texto. A esse respeito, Cosson (2006, p.54) fala sobre a motivação. Para o autor, o núcleo da motivação “consiste exatamente em preparar o aluno para entrar no texto”. Partindo dessa concepção, nossa experiência buscou metodologias que criassem uma expectativa no leitor com relação aos folhetos lidos. Na primeira leitura, referente ao cordel Um Bairro chamado Lagoa do Mato, como forma de motivar os alunos, apresentamos duas fotografias da cidade onde foi desenvolvida nossa intervenção. As imagens retratavam a cidade nos anos de 1950, quando ainda tinha características de um espaço rural e a outra retratava a atualidade, ambiente em que predominam edificações e máquinas. Como podemos observar abaixo: São João do Sabugi – 1950 Cidade São João do Sabugi – Atual Fonte - Anchieta França. Disponível em: HTTP://www. anchietafotofranca.blogspot.com Tomamos como base para a escolha dessas fotos a narrativa apresentada no folheto, em que aparecem dois momentos distintos (passado/bucólico e presente/mecânico). Após a exposição dessas fotografias, pedimos aos alunos para que fizessem uma leituras, comparando como era a cidade antes e como era agora. Para isso, solicitamos que eles apresentassem elementos que compunham o espaço antigo e o atual. Para o espaço antigo, os alunos destacaram os seguintes elementos: Aluna 1 No espaço antigo tinha vaca. Aluno 2: Galinha. Aluno 3: Coruja. Aluno 4: Vaquejada. A descrição foi de um ambiente rural, característica de uma cidade do interior nos anos de 1950. Como estávamos fazendo uma leitura comparada das fotos, sugerimos que, a partir dos cenários, pensassem nos aspectos visuais e em possíveis sons que ocorriam na época em que as fotos foram tiradas. No que diz respeito à primeira, todos foram unânimes e responderam: “Sons de animais”. Por conseguinte, pedimos para que os alunos comentassem sobre a foto da atualidade - o que podíamos identificar nela que não tinha na outra? Respondendo a isso, eles afirmaram que encontraríamos: Aluno 3: Som de carros. Aluna 5: Pessoas conversando. Aluna 1: Moto fazendo barulho. Analisando as descrições dos alunos com relação às fotos, vimos que foram significativas para que pudéssemos iniciar a leitura do folheto, pois as observações feitas por eles foram ao encontro dos elementos identificados no poema. O Aluno 1 ao realizar a leitura da foto da atualidade, destacou uma “moto fazendo barulho”, percepção que faz relação a uma das imagens que o poeta traz no cordel, “Um louco na rua rasgando uma moto”. Portanto, as respostas dadas pela turma foram bem intuídas, já que os alunos trouxeram algo ligado ao horizonte de conhecimento deles, percebendo os principais sons de uma cidade. Após essa motivação iniciamos nossas leituras. Primeiramente, pedimos para que eles lessem em silêncio. Em seguida, foram feitas leituras orais por mais de um aluno. Terminada a leitura feita pelos alunos, fizemos uma performance do cordel. Logo em seguida, chamamos a atenção dos alunos para a leitura, mostrando alguns pontos importantes como a pontuação e a entonação. Diante disso, pedimos mais uma vez que eles realizassem uma leitura oral, mais dessa vez, respeitando esses elementos, de forma que ficasse expressiva. Terminado esse momento, organizamos uma espécie de debate. Para tanto, lançamos algumas perguntas: Vocês gostaram do cordel? Existe alguma relação com as imagens apresentadas no início da aula? Qual é essa relação? Do que vocês gostaram? Tem alguma passagem, verso ou estrofe que vocês poderiam destacar? De início, as respostas foram breves, o que já esperávamos, uma vez que eles não estavam acostumados a debater a leitura de poesia em sala de aula. Assim, a maioria deles respondeu que “o cordel era muito bonito”, uma frase que sempre ouvíamos em conversas informais com os alunos quando falávamos a respeito de algum texto literário lido por eles. Seguindo com o debate, retomamos alguns aspectos que eles tinham identificado nas fotografias e perguntamos o que eles poderiam relacionar com o cordel. Diante disso, a Aluna 6 iniciou dizendo: “Ah, ele fala primeiro do bairro, dos animais. Depois ele fala da cidade e dos carros”. Então, questionamos: Mas como estão representados os cenários nesses dois momentos do bairro? O Aluno 3, respondeu que antes do bairro se tornar agitado, “tinha animais que cantavam como o galo, além de outras coisas, como a lua e o vento”. Com esses questionamentos, os alunos foram construindo aos poucos o sentido para o poema através de nossa mediação, cujo objetivo foi mostrar como o poeta representava a crítica social a partir da linguagem poética. De acordo com suas respostas, chamamos a atenção para o aspecto que fosse relevante nas suas falas. No caso do Aluno 3, que tocou em alguns elementos como o vento, perguntamos: “Mas como é esse vento?”. Ele respondeu que “era um vento da praia”. Indagamos como era que esse vento era representado no segundo momento do cordel: Como era esse vento antes? E como é agora? Vocês acham que mudou alguma coisa em relação ao primeiro momento do poema? Com esses apontamentos, os alunos destacaram os versos: “O vento que sopra agora é mais quente/E sem energia não sabe soprar” e falaram que antes o vento deveria ser agradável, pois o ambiente era rural o clima era melhor. Agora, era quente e só ventava com a “ajuda de um ventilador”. Notamos, portanto, que com o debate, os alunos foram criando suas próprias interpretações e dando sentido para o texto. Nesse caso, se revisitássemos a teoria dos vazios formulada por Iser (1979), diríamos que esses alunos preencheram os espaços vazios deixados no poema. Sem que precisássemos dar-lhes uma interpretação, eles construíram sentidos. No verso “O vento que sopra agora é mais quente”, os alunos entenderam que havia uma analogia com o vento produzido a partir da tecnologia do ventilador. Destacamos, então, a importância da leitura compartilhada defendida por Colomer (2007), pois ao discutir com os alunos o texto por meio de perguntas, indagações, foi possível dar uma interpretação para o poema, coletivamente. Se antes os alunos eram tímidos, com respostas curtas, no debate, eles acabaram falando mais e fundamentando suas falas em suas experiências de vida. Trazendo as contribuições de Marinho e Pinheiro (2012), essa forma de debater torna-se interessante na medida em que não precisamos necessariamente dizer aos alunos que se trata de um debate. Prosseguindo as discussões em torno da leitura do cordel, adotamos uma nova estratégia, ao invés de perguntas, dividimos a turma em grupos. Entregamos algumas folhas para que eles desenhassem as cenas que mais lhe chamaram a atenção na leitura do folheto. Abaixo seguem alguns exemplos: Figura 2 – Carro de som - Ilustração produzida pelos alunos para o folheto Um Bairro chamado Lagoa do Mato Fonte – Acervo do pesquisador. MEDEIROS (2014) Nesse primeiro desenho feito pelos alunos , temos a representação do seguinte verso “Um carro de som fanhoso bodeja”, em que o poema apresenta uma cena comum das cidades, onde encontramos vendedores ambulantes fazendo propagandas do produto vendido - “Tem água de coco, tem caldo de cana/cocada de leite, gelé de banana”. Além da relação com o cotidiano, outro fator que pode ter chamado a atenção dos alunos para essa imagem poética, foi a forma como o poeta brinca com a linguagem, pois, além de trazer um tom de crítica social, o poema é revestido pela ludicidade. Vemos que o carro de som adquire uma certa animação, uma vez que o seu som é comparado ao som onomatopaico do bode – “bodeja”. Figura 3 – Ilustração de São João do Sabugi Fonte- Acervo do pesquisador. MEDEIROS (2014) Nessa figura dois, feita pelos alunos CN, AF, DM3 e YM, existe a representação de várias passagens do cordel. Primeiramente, destacamos os cenários dos dois momentos da narrativa. Na parte de cima, o desenho se configura com aspectos rurais, enquanto a parte de baixo se caracteriza como sendo a cidade. Interessante observar que os alunos associaram a história do cordel com a cidade deles. À esquerda temos a Serra do Mulungu, símbolo admirado pelos moradores de São João do Sabugi/RN, ao centro, a Igreja de São João Batista, o padroeiro da cidade e ao lado um curral, aspectos esses que também foram retratados na fotografia apresentada durante a motivação da leitura. Chamamos a atenção para alguns detalhes do desenho dos alunos que fazem referência à leitura do folheto. Vemos que há algumas pessoas na calçada e outras se dirigindo à igreja, imagens que podemos associar às seguintes passagens do poema: “E uns quatro vizinhos brincando de igreja/Vão pra calçada depois do jantar”. Na parte inferior da imagem, o Aluno DM3 sinalizou a casa do canto direito como sendo a sua residência. Portanto, vemos que no desenho os alunos relacionaram a narrativa com suas vivências cotidianas. Nas outras produções dos grupos (11 desenhos), são representados os dois ambientes representados no cordel. Sempre trazendo a imagem da “Lagoa do Mato”, dos animais que fazem parte do cenário e vários outros elementos da natureza. Figura 4 – Ilustração de passagens do cordel Um Bairro chamado Lagoa do Mato Fonte – Acervo do pesquisador. MEDEIROS (2014) Até o momento, o que não tinha sido expresso oralmente pelos alunos foi exposto nos desenhos. Quando perguntamos quais as passagens da narrativa do cordel que eles mais gostaram, não colhemos muitas impressões. Já na figura acima, observamos que são muitos detalhes que podemos relacionar com as passagens do folheto. Primeiramente, destacamos dois elementos naturais: o sol e a lua, que possivelmente foram imagens que chamaram a atenção dos alunos – “O sol se deitava a lua saía”. Ainda com relação à natureza, temos a figura de um menino, que no caso seria a representação da vida simples e barata do campo, em que o poeta idealiza: “O peixe pulava a água espanava/ A gente pegava uma ponta de linha/Amarrava um anzol numa vara que tinha/E ia pra onde o peixe pulava”. Notamos então que o desenho traz toda uma representação do cenário bucólico da história. No entanto, chamamos a atenção para a casa que tem ao lado esquerdo do desenho. Analisando os detalhes, notamos que pela janela da casa é possível observar um jarro de flores. Quando comparamos o desenho com a leitura do poema, temos uma cena que consideramos, talvez, a mais forte, se pensarmos na transformação do bucólico para o artificial. De todos os elementos trazidos na história, as rosas são as mais delicadas, uma vez que são admiradas pela sua beleza e perfume. Na passagem do ambiente rural para o da cidade, essa delicadeza é transformada, passa do natural para o artificial, “Só rosas de plásticos tristonhas num jarro”. Vimos então, que essa metamorfose foi uma das imagens que chamou a atenção desses alunos, como foi evidenciado no desenho. Essa atividade foi significativa para colhermos as impressões dos alunos a respeito da leitura, pois muitos deles ficaram calados no momento do debate. O aluno AN, por exemplo, não interagia nas discussões, e com essa estratégia, ele foi o primeiro do grupo a se interessar. Além disso, os desenhos serviram de ponte para que os alunos percebessem as imagens poéticas trazidas no poema para representar o social. 5 Conclusões As tradições advindas da oralidade fazem parte do cotidiano de muitos dos nordestinos. As primeiras vivências com essa arte se fazem a partir do berço quando ouvimos canções de ninar, brincamos com cantigas de roda, jogos, adivinhas, entre outras manifestações. E quando crescemos em um ambiente onde vivenciamos o popular, ouvimos Histórias de Trancoso, Causos, Cocos, Repentes de viola, cordéis e muitas outras vivências que compreendem esse universo popular. Dessa forma, a cultura popular é passada de geração para geração e se constitui como parte de nossa identidade. Mesmo servindo como base de nossas experiências, as culturas populares parecem se perder na passagem da infância para a vida adulta, pois são esquecidas pela cultura de massa e se tornam para alguns, uma cultura sem valores literários. Com isso, o cordel, fruto das tradições orais, ainda é tido como uma literatura menor. É por esse e outros motivos, que temos a preocupação de fazer com que o cordel chegue até a sala de aula, pois precisamos manter viva essa tradição que se constitui como uma verdadeira obra de arte e que junto com a literatura canônica compõe importante espaço na formação de leitores. Com tudo, acreditamos que o trabalho com cordel na sala de aula ainda é um desafio, visto que existem inúmeros obstáculos como, o preconceito e a forma de como ela é explorada. Nesse trabalho, serve como sugestão para quem deseja levar o cordel para a sala de aula. Como vimos, podemos utilizar diversas abordagens metodológicas na leitura do folheto. Essa literatura pode ser trabalhada em consonância com outras artes. No caso do desenho, utilizamos como forma de colher as impressões dos alunos a respeito das imagens construídas ao longo da narrativa poética. Dessa maneira, acreditamos que a estratégia adota foi significativa, uma vez que os alunos conseguiram, a partir do desenho, expor o que entenderam do texto. Referências AYALA, Maria Ignez Novais. Aprendendo a apreender a cultura popular. In: PINHEIRO, Hélder (Org.). Pesquisa em literatura. 2.ed. Campina Grande: Bagagem, 2011. p.95-131. BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEB, 2006. CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Ciência e Cultura. São Paulo, p. 803-809, set. 1972. COLOMER, Teresa. Andar entre livros: a leitura literária na escola. Trad. Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2007. COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006. MARINHO, Ana Cristina & PINHEIRO, Hélder . O Cordel no cotidiano escolar. São Paulo: Cortez, 2012. (coleção trabalhando com... na escola). MELO, Antônio Francisco Teixeira de. Minha obra é um cordel. 10ª ed. Fortaleza: IMEPH, 2011. (Obra Completa) PINHEIRO, Hélder. Poesia na sala de aula. 3 ed. rev. ampl. Campina Grande: Bagagem, 2007. ______. A abordagem do poema na prática de ensino: reflexões e propostas. In: MENDES, Soélis Teixeira do Prado; ROMANO, Patrícia Aparecida Beraldo (Orgs.). Práticas de língua e literatura no ensino médio: Olhares diversos, múltiplas propostas. Campina Grande: Bagagem, 2012.p.85-116. SOBRINHO, José Alves. Cantadores, Repentistas e poetas Populares. Campina Grande: Bagagem, 2003.

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