A partir da observação da categoria personagem, centrada na figura de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa, que foi transmutado em personagem central do romance “O ano da morte de Ricardo Reis”, de Saramago, e, posteriormente, adaptado para a linguagem fílmica por meio de obra homônima de João Botelho, este artigo objetiva discutir a trajetória ficcional de Reis, em seu aspecto intermidiático, engendrada por três autores portugueses: o poeta das odes criado por Pessoa, o personagem literário de Saramago e aquele transubstanciado para a linguagem cinematográfica, pelo olhar de Botelho. Para isso, apoia-se analiticamente em conceitos como hipertextualidade (Genette, 2010), adaptação (Stam, 2016; Hutcheon, 2013), dentre outros. Ricardo Reis, um dos três principais heterônimos pessoanos, foi eleito por José Saramago para ter a sua biografia, descrita em detalhes por Pessoa, continuada. O autor, então, valeu-se dos elementos constantes em cartas e demais escritos do poeta fingidor, para construir um personagem de ficção baseado em outro ser ficcional, que é uma das definições possíveis para a figura do heterônimo. Saindo, portanto, da condição de poeta inventado para a de um personagem romanesco, temos um primeiro deslocamento desse personagem. Com a adaptação cinematográfica da obra “O ano da morte de Ricardo Reis” e com a consequente mudança do meio semiótico, percebe-se um segundo deslocamento, ainda mais produtivo, em termos analíticos, uma vez que as estratégias utilizadas para a adaptação podem instrumentalizar a produção e sobretudo a ampliação de sentidos da obra de arte. Este estudo contribui para a verticalização da problemática da análise fílmica, na medida em que se fomentam discussões nos âmbitos de ensino e pesquisa sobre o tema, considerando a expressiva – e quiçá irrevogável – adesão dos jovens ao discurso audiovisual, o que faz com que pesquisas sobre o letramento nessa área sejam relevantes para a formação acadêmica.