Analisar relações semiológicas e enunciativas criadas no texto literário pode servir como um ponto de partida para compreensão de aspectos mais amplos da linguagem. A densidade semântica característica do discurso poético só é alcançada a partir de alguns procedimentos formais adotados pelo autor do texto para apresentar o seu universo de experiência, fazer aflorar sentidos e despertar no leitor diferentes reações. Os apontamentos feitos por Benveniste sobre o discurso poético estão presentes, sobretudo, no Dossiê Baudelaire (DB), composto por 367 notas manuscritas a respeito de poemas de Charles Baudelaire em “As Flores do Mal”. O DB consta em Laplantine(2008) e na publicação póstuma “Baudelaire” (BENVENISTE, 2011), organizada por Laplantine. O DB pode fornecer subsídios para compreensão do raciocínio iniciado por Benveniste para uma abordagem da poética no discurso, aliado a reflexões já desenvolvidas pelo linguista em outras obras (1988, 1989 e 2014). De acordo com Benveniste (2011), ao estudar o discurso poético, devemos procurar descrever o universo de experiência do autor e analisar de que maneira e por quais procedimentos formais as palavras se relacionam com esse universo de experiência. Assim, partindo desses dois direcionamentos programáticos propostos por Benveniste no DB, iremos buscar abordar a linguagem poética em João Cabral de Melo Neto. As análises mostram que é possível verificar que a linguagem icônica, a ambivalência do signo e o estabelecimento de correspondências constituem importantes recursos semiológicos para apreensão do universo de experiência do autor.