O artigo trata dos contos “Mesa polvorienta” e “Si ella quiso”, do livro Historia de una perdida y otros cuentos (2010), da escritora Cristina de la Concha. O estudo dessas narrativas se centra na representação que articula vivências e violências cotidianas ao universo das personagens femininas, em geral, silenciadas no tecido social. Cristina recorre a uma perspectiva de representação que é, também, violenta, considerando que explora o potencial instrumental da violência enquanto via de questionamento dos discursos naturalizados sobre as relações interindividuais (ARENDT, 1970) que, tradicionalmente, procuram ordenar as relações entre os gêneros, no tecido social latino-americano. Tais narrativas elaboram perspectivas múltiplas de representação do feminino, no plano da diegese, de modo que fazem uma crítica das diversas esferas da violência contra a mulher no dia a dia, e, mais especificamente, no âmbito da sociedade mexicana contemporânea, ao mesmo tempo em que, investindo em representações do feminino que não se limitam à dicotomia essencialista que põe a mulher na condição de vítima versus o homem na condição de culpado, apontam para o caráter conflituoso das relações entre corpo, sexo, gênero e desejo (BUTLER, 2003) na literatura contemporânea. Assim, criam-se narrativas que são claramente politizadas, mas, por outro lado, apontam para uma visão desconfiada em relação às perspectivas críticas que tratam a mulher e pensam os seus lugares sociais sem considerar os conflitos internos ao próprio pertencimento a um determinado gênero, na sociedade. Adotando uma perspectiva comparativa para a abordagem dos contos, nossa comunicação destaca os procedimentos de construção (TOMACHEVSKI, 2004) ficcional que conferem aos relatos um potencial desautomatizante que desmascara a violência tematizada nos dois contos, ao mesmo tempo em que são apontadas algumas recorrências temáticas e procedimentais associadas à mesma questão em outros textos da autora.